Será que a La Liga merece mesmo tanta Bola de Ouro?

Nas últimas dezanove edições do prémio da France Football, em catorze ocasiões o vencedor jogava na La Liga. Será o Campeonato espanhol assim tão superior aos restantes?

Será que a La Liga merece mesmo tanta Bola de Ouro?

Em 2000, um português saiu do Barcelona rumo ao Real Madrid, rival eterno dos catalães, e colocou em choque não só a La Liga como também o mundo futebolístico. A história de Luís Figo é sobejamente conhecida e a ‘traição’ do internacional luso nunca foi perdoada pelo Barça; Figo chegou até a ser presenteado com uma cabeça de leitão atirada contra si num jogo em Camp Nou, mas a saída para Madrid foi uma decisão que o levou até à conquista do Bola de Ouro.

Na viragem do século, em 1999, o ex-colega de Figo na Catalunha, Rivaldo, tinha sido eleito o melhor jogador do Mundo para a revista francesa France Football, que desde 1956 elege, através de um júri constituído por jornalista desportivos, o melhor futebolista do ano. A conquista do brasileiro marcou o início do domínio da La Liga no mundo do futebol.

Antes deste monopólio dos nuestros hermanos, a Serie A italiana era a grande potência do futebol mundial, com treze conquistas em dezasseis possíveis. Só Michel Platini, da Juventus, e Van Basten, do Milan, levaram para casa três prémios cada um. Mas a viragem para o novo século fez mudar todo o paradigma futebolístico.

Como já foi dito, a chegada de Figo ao Santiago Bernabéu foi um dos momentos marcantes da história da La Liga, mas permitiu ao extremo conquistar uma Bola de Ouro que fugia aos portugueses desde 1965, quando Eusébio da Silva Ferreira conquistou o primeiro Ballon d’Or para o nosso país.

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Em 2001, o prémio da France Football foi entregue a Michael Owen, então no Liverpool mas que se viria a juntar mais tarde a Figo em Madrid. A nomeação do jogador da Premier League – para muitos a melhor competição nacional de clubes do mundo – foi a primeira em mais de 30 anos. George Best, do Manchester United, tinha sido o último vencedor britânico do galardão, em 1968.

2002 marcou o regresso de Ronaldo Nazário de Lima à La Liga, em mais uma ‘golpada’ dos madrilenos ao Barcelona. O internacional brasileiro tinha sido eleito o melhor jogador – e melhor marcador – do Campeonato do Mundo na Coreia do Sul e do Japão e o Real investiu muitos milhões na sua contratação. No final de 2002, o investimento deu certo com mais uma Bola de Ouro a ser levantada por um jogador da capital espanhola.

Os dois anos seguintes marcaram a revolta transalpina, com Pavel Nedved em 2003 e Shevchenko em 2004 (com Deco a ficar na segunda posição) a conquistarem o ‘ceptro’ de melhor do mundo; mas a boa fase italiana viria a ser contrariada de novo em 2005, e por mais um Ronaldo. Desta vez foi Ronaldo de Assis Moreira, irmão de um antigo jogador do Sporting, e mais conhecido no futebol por Ronaldinho Gaúcho, a conquistar o mundo do futebol. O jogador que tinha sido contratado dois anos antes ao Paris Saint-Germain era então um dos maiores astros do desporto e a sua escolha era unânime, tendo vencido com 225 pontos, contra 148 do inglês Frank Lampard.

Ronaldinho venceu em 2005

O ano de 2006 trouxe mais um Mundial de Futebol, e após a vitória na final frente à França, o italiano Fabio Cannavaro rumou ao Real Madrid e foi lá que conquistou mais uma Bola de Ouro para o clube merengue. Cannavaro foi o primeiro jogador de características defensivas a vencer o prémio desde Mathias Sammer em 1996.

A Bola de Ouro de 2007 marca a última conquista italiana. Kaká, ainda no AC Milan, conquistou a Liga dos Campeões – tendo sido também o melhor marcador da prova – e ultrapassou Cristiano Ronaldo e Messi, que terminaram em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Em 2009, juntamente com CR7, o internacional brasileiro iria rumar também ao Real Madrid.

O duelo Ronaldo vs. Messi

2008 foi o último ano de uma conquista não espanhola e iniciou o reinado de Cristiano Ronaldo e Leo Messi. O português, então no Manchester United, tinha conquistado a Champions frente ao Chelsea e tornou-se o terceiro português a conquistar o Ballon d’Or. No final da época seguinte, Ronaldo chega à La Liga e à capital espanhola e começa o duelo com Messi pelo primeiro lugar do pódio.

Nos quatro anos seguintes, Messi foi dono e senhor do prémio. O Barcelona de tiki-taka de Guardiola dominava o campeonato espanhol e até a Europa contra um Real Madrid de Mourinho que tentava se opor ao domínio catalão. Entre 2009 e 2012, Messi venceu por quatro vezes seguidas – um novo recorde – o prémio francês.

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Ronaldo quebrou o enguiço em 2013, voltando a conquistar no ano seguinte e a La Liga dominava os prémios. Desde 2009 até 2016, apenas por duas vezes um jogador extra-campeonato espanhol figurou no pódio. Em 2013, o francês Ribéry ficou no último lugar do pódio e no ano seguinte foi Manuel Neuer, colega de Ribéry no Bayern de Munique, terminou no mesmo lugar.

Após a conquista do Euro 2016, em Paris, Ronaldo recuperou a Bola de Ouro perdida para Messi em 2015, e estabeleceu um nove recorde.  O craque português recebeu 745 pontos, contra apenas 316 do jogador do Barcelona. No ano passado, Ronaldo voltou a conquistar o Mundo, novamente com Messi na segunda posição. Neymar, já transferido para o Paris Saint-Germain, ficou no último lugar do pódio.

La Liga: o melhor campeonato do Mundo?

A conquista de ontem de Luka Modric assinalou o décimo ano consecutivo de conquistas ‘espanholas’. O jogador do Real Madrid levou para casa o prémio da France Football e juntou-o aos de melhor jogador FIFA, melhor jogador UEFA e de melhor jogador do Campeonato do Mundo.

Este domínio avassalador do campeonato vizinho é, em parte, totalmente meritório, uma vez que dois dos melhores jogadores de sempre e indubitavelmente os melhores da sua geração jogavam na liga espanhola. Contudo, a ausência de jogadores de outros campeonatos é algo a analisar, uma vez que a Premier League é vista como o campeonato mais emocionante do Mundo e, por exemplo, desde 2008 que não tem um único jogador no pódio; nesse ano teve dois, com a conquista de CR7 e o terceiro lugar de Fernando Torres.

Em contraste, a La Liga é dominada por dois grandes clubes, com a excepção de 2014 onde o Atlético de Diego Simeone conseguiu surpreender os dois colossos espanhóis. Desde o início do século, apenas o Atléti e o Valência CF (em 03/04 e 01/02) almejaram a conquista do campeonato.

O segundo lugar conquistado por Ronaldo na noite de ontem foi, por exemplo, o primeiro pódio do campeonato italiano desde a conquista de Kaká, em 2007. Este declínio transalpino é facilmente explicado pela falta de competitividade da Serie A, onde a Juventus é heptacampeã e a caminho do oitavo campeonato consecutivo. Porém, é preciso ter em conta que desde o ano de 2001, o campeonato italiano teve o mesmo número de vencedores que o espanhol, com as conquistas de AS Roma, AC Milan, FC Internazionale e Juventus FC.

A Bundesliga, uma das ligas que tem vindo a receber elogios pelo crescimento competitivo do campeonato e o aparecimento de novos candidatos aos lugares cimeiros da prova, como o RB Leipzig, por exemplo, apenas por duas vezes nos últimos 15 anos teve jogadores no pódio, apesar de ter conquistado o Mundial em 2014, ano em que Neuer terminou no terceiro lugar e Ribéry no ano anterior, após a conquista da Liga dos Campeões frente aos rivais Borussia Dortmund.

Tanto a Bundesliga como a Premier League tiveram cinco vencedores diferentes desde 2001. Na Alemanha, Bayern, Borussia, Werder Bremen, Estugarda e Wolfsburgo já conquistaram o troféu enquanto na Inglaterra os vencedores foram Manchester United, Manchester City, Arsenal,  Chelsea e Leicester.

Este números revelam que apesar de existirem certos domínios de um ou dois clubes por país, o número de vencedores é muito semelhante. A este nível competitivo, podemos dar o exemplo francês que, desde 2001, já teve oito clubes a conquistar a Ligue 1 (Nantes, Lyon, Bordéus, Marselha, Lille, Montpellier, Paris Saint-Germain e Mónaco).

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Toda esta situação levanta uma enorme polémica em torno desta atribuição, uma vez que para muitos Ronaldo deveria ter recebido o prémio e apenas tal não aconteceu devido à sua partida rumo a Turim e à Juventus. As polémicas recentes de doping de jogadores do Real Madrid e o encobrimento por parte da UEFA fazem ponderar até que ponto os clubes espanhóis não têm influência junto dos orgãos de decisão e de jornalistas para que a escolha recaia sempre sobre jogadores da La Liga.

 

Texto: Vítor Miguel Gonçalves | WIN

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