O primeiro dia do resto da vida da nossa democracia
O Chega não é o PRD, muito menos André Ventura é Hermínio Martinho. Quem pensa que são a mesma coisa está profundamente enganado.
1.108.797. Este é o número de portugueses que confiaram no Domingo o seu voto no Chega. Não fui um deles. Votei na AD e em Luís Montenegro para Primeiro-Ministro, mas entendo que temos que pensar a sério se o regime deve persistir em colocar o Chega como parte do problema ou passar a ser parte de uma solução de estabilidade política para o País. Mais de um milhão e cem mil votos é muito voto.
A esmagadora maioria dos portugueses que agora votaram no Chega não são radicais, muito menos racistas ou xenófobos.
Uma parte destes votaram nas eleições Legislativas de 2022 no PS, no PSD ou na CDU. Não me venham agora dizer são fascistas? Não, não são.
Os restantes não votavam há muitos anos. Estes são os que apelido de abstencionistas militantes que por diversas razões nunca votaram ou não exercem o seu direito de voto em várias eleições consecutivas.
O partido de André Ventura conseguiu resgatá-los da abstenção para novamente participarem numa eleição. E não foram assim tão poucos. Tendo como referência as eleições Legislativas de 2022, nesta eleição votaram mais 576.672 portugueses. Nem todos votaram no Chega, é verdade, mas acredito que o fizeram na sua maioria.
O Chega não é o PRD, muito menos André Ventura é Hermínio Martinho. Quem pensa que são a mesma coisa está profundamente enganado
Em Democracia isto não é de somenos. No mínimo o Chega têm o mérito de ter resgatado de meio milhão de portugueses à abstenção. E os votos destes portugueses não valem menos que os votos na AD ou PS.
Trata-se de cidadãos que deixaram de acreditar nos partidos tradicionais porque falharam no cumprimento das suas promessas ao longo de décadas, na área da saúde, da educação, da segurança ou da justiça.
O Chega não é o PRD, muito menos André Ventura é Hermínio Martinho. Quem pensa que são a mesma coisa está profundamente enganado.
O Chega não é um epifenómeno. No Domingo quem votou no Chega muito dificilmente votará na AD numas eventuais eleições antecipadas. E quem agora votou PS muito provavelmente não votará na Aliança Democrática. Ou seja, por muito que possam exponenciar a dramatização política a AD e o PS não irão muito além dos 30%.
Estas eleições foram o primeiro dia do resto da vida da nossa Democracia. Como escreveu Oscar Wilde “o descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação”. Não vale a pena continuarem a ignorar o óbvio. Na próxima vez que seja dada a palavra ao povo, os que persistem em ignorar a nova realidade política pode-lhes acontecer que um dia sejam eles os mudados de vez. E aí será tarde demais.
Paulo Vieira da Silva
Gestor de Empresas / Licenciado em Ciências Sociais – área de Sociologia
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
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