Noite da Medicina: O espetáculo em que a bata dá lugar ao figurino

A Noite da Medicina é uma tradição que se cumpre há quase 100 anos. Por uma noite, os finalistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa mostram os seus dotes artísticos em palco, numa sátira pensada ao pormenor.

A primeira edição da Noite da Medicina de que há registo aconteceu em 1929, no Teatro Politeama, em Lisboa, sob a forma de teatro de revista, e tinha como título O que Arde… Cura!, e é por isso que os finalistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa lhe chamam orgulhosamente o “maior e mais antigo espetáculo académico do País”. Durante o Estado Novo, o evento chegou a estar interdito e teve de se adaptar, deixando de parte o seu lado mais crítico e mordaz. Mas, depois do 25 de abril de 1974, voltaria a ganhar projeção e, a partir de 1978, ocuparia a Sala de Alunos da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa e por lá ficaria nos 25 anos seguintes, procurando satisfazer com o seu toque satírico as exigências de quem nele participa e quem a ele assiste.

“Maior e mais antigo espetáculo académico do País”

Em 2003 e 2004, a festa que marca o adeus dos finalistas e celebra a entrada dos novos estudantes no curso celebrou-se no Auditório da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Seguiu-se a Aula Magna da Universidade de Lisboa nos três anos seguintes e em 2008 realizou-se no Coliseu dos Recreios. A dimensão do espetáculo foi crescendo e com ele cresceu também a audiência, daí que, em 2014, a festa transitou pela primeira vez para o Campo Pequeno. E foi precisamente na emblemática praça de toiros da cidade de Lisboa que voltou a ter lugar este ano. “A Noite da Medicina já está na sua 93.ª edição e é um projeto que demora vários meses a ser construído. Dá muito trabalho, mas é um trabalho muito prazeroso. É um projeto muito querido para a nossa faculdade. E nós esperámos seis anos para estar aqui no Campo Pequeno e fazermos nós a nossa noite”, começa por dizer à NOVA GENTE Francisco Ribeiro, coordenador-geral da comissão organizadora da Noite da Medicina 2022. “Acabamos por ser 400 alunos por ano, com os talentos mais inesperados: vocalistas, bateristas, ginastas… Temos de tudo um pouco. Temos liberdade artística para fazermos aquilo que quisermos”, acrescenta Madalena Aniceto, também ela coordenadora-geral da iniciativa.

“Acabamos por ser 400 alunos por ano, com os talentos mais inesperados”, diz a coordenadora Madalena Aniceto

Talento é algo que não falta quer em palco, quer durante a organização do espetáculo. É quase um ano de trabalho,
e um ano que por si só já é muito exigente ou não fosse o último ano do curso de Medicina. “Vou ficar sempre espantado com o talento destes alunos. Como é que um estudante de Medicina consegue fazer o que eles fazem? Fico sempre espantado pelo sentido de humor, pela capacidade de sátira numa forma artística, que não é fácil para uma pessoa que não é profissional. E depois, vê-los no Campo Pequeno, que é uma marca do crescimento do evento”, salienta João Eurico da Fonseca, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Entre livros e ensaios

Planear e colocar em prática um espetáculo composto por música, dança, teatro e projeções de vídeo tirou aos finalistas muitas horas do seu dia-a-dia. Mas como diz o velho ditado “quem corre por gosto não cansa”. “Enquanto estivemos em estágio, a fazer a tese, a estudar, tivemos de arranjar tempo para tudo isto. É um sentimento giro, de inclusão. Estamos juntos para fazer uma coisa que é tão bonita. São futuros médicos a cantar, a dançar e a representar, numa noite que é muito nossa, que é a despedida do curso”, diz a finalista Bárbara Barreno. “É um bocado difícil conciliar, mas as pessoas sabem que têm de abdicar do seu tempo e conseguem. Este é o espetáculo académico mais antigo do País.

Nós esforçámo-nos imenso, foram meses de trabalho. Este é o nosso último ano, vai deixar muitas saudades”, frisa Luísa Carvalho, também ela aluna do sexto ano do curso de Medicina. “E ao fim e ao cabo, continuamos a ser estudantes e, portanto, é toda uma capacidade de gerir o nosso tempo e aquilo que temos de fazer ao longo destes meses de trabalho. É um grande desafio para todos nós, para a comissão organizadora. Sentimos como uma despedida. É uma casa que nos acolheu durante seis anos. E também não conseguimos deixar de pensar no futuro, para o ano estaremos todos a trabalhar”, acrescenta Madalena Aniceto, coordenadora-geral da comissão organizadora.

“É desafiante, mas ao mesmo tempo gratificante”, garante a aluna Mariana Moreira, do Departamento de Patrocínios

A Noite da Medicina, apesar de satírica, não deixa de espelhar as dificuldades pelas quais os alunos de Medicina passam nos seis anos de formação. E muitos dos obstáculos nem tiveram a ver com o estudo. “É muito complicado no início arranjar uma casa a um bom preço. Depois, vem a adaptação. É um processo complicado, mas conhecemos pessoas, fazemos amigos e torna-se tudo mais fácil”, diz Luísa Carvalho.

Adeus, finalistas! Olá, caloiros!

Se, por um lado, a Noite da Medicina marca o final de uma etapa para os alunos que estão a terminar o seu curso, por outro, é um evento de inclusão para os caloiros que acabam de chegar à faculdade. “Estamos aqui para representar os estudantes, mas também para os congratular, quando é necessário, e este é um momento de grande festa para todos nós. Assinala não só uma despedida, mas também uma receção. Os caloiros sentem logo nos primeiros meses que já fazem parte desta família e isso é muito importante”, ressalva Duarte Graça, presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. E, para quem acaba de chegar, a mensagem de quem está de saída traz força e determinação. “Gostaria de dizer aos caloiros que aproveitem muito bem estes seis anos, que se lembrem de que o curso não se faz sozinho, mas que não deixem de aproveitar todas as oportunidades que esta faculdade nos dá”, refere a finalista Luísa Carvalho.

O apoio dos patrocinadores

Para quem assiste ao show de talentos que passa pelo palco do Campo Pequeno, em Lisboa, não é fácil ter a perceção da logística por detrás do evento. São mais de três mil pessoas na plateia e 400 em palco. São centenas de figurinos e adereços. São dezenas de técnicos de luz e som. E para conseguirem reunir condições financeiras, para que todos os ingredientes do espetáculo estejam assegurados, é necessário que o Departamento de Patrocínios da comissão organizadora faça o seu trabalho. “É desafiante, mas ao mesmo tempo gratificante. Chegamos aqui hoje e vemos o produto do nosso trabalho de um ano. É um projeto muito giro, é único em Portugal, feito por estudantes de Medicina, para nós dizermos adeus à faculdade”, explica Mariana Moreira, uma das alunas responsáveis pelos patrocínios. Mariana empenhou-se de tal forma que o facto de ter vendido 900 rifas lhe valeu inclusivamente um prémio. “Eu queria muito trazer a minha família e a minha família queria vir toda, portanto nós tínhamos rifas para vender e eu vendi o máximo de rifas que consegui. Foi mesmo muito trabalho, eu vendi nove blocos de rifas. O resultado foi este prémio, uma estadia de duas noites com pequeno-almoço, no Algarve, no Hotel Ondamar.”

O apoio não só dos familiares e amigos, mas também das empresas que anualmente se juntam a esta iniciativa, é fundamental para que a Noite da Medicina possa acontecer. “Estamos a falar do futuro e eles precisam de nós para darmos a conhecer o seu trajeto, mas também as suas dificuldades. É sempre importante para qualquer empresa ajudar. O Grupo Impala deve cada vez mais dar ouvidos a estes jovens”, frisa Maria José Correia, diretora de Marketing da Impala Multimédia, parceira do evento.

Texto: Andreia Valente; Fotos: Zito Colaço

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