Como a invasão da Ucrânia pode desencadear a crise financeira global
Os efeitos económicos em bola de neve da invasão russa à Ucrânia são potencialmente enormes e tornar-se-ão cada vez mais visíveis nos próximos dias e semanas.
O ataque russo a Kiev e outras cidades da Ucrânia intensificou a incerteza na economia mundial. Para condenar a guerra de Putin, os líderes ocidentais anunciaram algumas medidas económicas restritivas – o objetivo é atingir diretamente instituições financeiras e oligarcas russos. As sanções incluem a remoção de alguns bancos russos do sistema Swift impedindo-os de proceder a transações internacionais, congelamento dos ativos de empresas e de oligarcas nos países ocidentais e restringir o banco central russo de usar os seus 576 mil milhões de euros de reservas estrangeiras.
Em resposta a estes movimentos, várias agências de classificação reduziram a classificação de crédito da Rússia para o status de lixo ou alertaram de que podem vir a fazê-lo em breve. Por outras palavras, “acredita-se que a perspetiva de a Rússia deixar de pagar as dívidas é superior ao que se achava antes”, considera Nasir Aminu, catedrático em Economia e Finanças da Universidade Metropolitana de Cardiff. Aliás, de acordo com um grupo de bancos globais, um default é “extremamente provável”.
A guerra na Ucrânia e ameaça aos bancos
Os mais de 91 mil milhões de euros em dívida russa em bancos estrangeiros “levantam questões sobre os riscos para os bancos fora da Rússia” – potenciando “um default” semelhante ao que levou “à crise de liquidez no estilo de 2008“: “os bancos entram em pânico com o estado da solvência de outros bancos e param de emprestar uns aos outros”.
Os bancos europeus “são as instituições financeiras mais expostas às sanções infligidas à Rússia”, especificamente “as de Áustria, França e Itália”. Os números do Banco de Compensações Internacionais (BIS) mostram que os bancos da França e da Itália “têm créditos pendentes de cerca de 23 mil milhões de euros em dívida russa”, enquanto os austríacos tinham “16 mil milhões de euros”.
Comparativamente, os bancos dos EUA “têm vindo a diminuir a sua exposição à economia russa desde as sanções da Crimeia”, em 2014. No entanto, o Citigroup tem uma exposição de 9 mil milhões de euros, embora esta seja “uma parcela relativamente pequena dos 2 biliões em ativos que o banco detém”.
Há também a questão da exposição a um “potencial default da Ucrânia” – a incapacidade de pagar as suas dívidas. A dívida de “cerca de 50 biliões de euros” da Ucrânia também foi rebaixada para o status de lixo, aumentando o risco de inadimplência – isto é: incapacidade de pagar as dívidas dentro do prazo.
Além da exposição à dívida, muitos bancos serão atingidos porque oferecem serviços bancários na Ucrânia ou na Rússia. De acordo com a agência de classificação de risco Fitch, os bancos franceses BNP Paribas e Credit Agricole são “os mais expostos à Ucrânia” por causa das suas subsidiárias locais no país. Société Générale e UniCredit são “os bancos europeus com as maiores operações na Rússia”, e ambos estão também “entre os mais expostos a dívidas russas”.
As más notícias para os bancos europeus não acabam aqui. Registou-se “um aumento acentuado no custo de captação de recursos em dólares americanos no mercado de swaps de euro”. “Os bancos usam este mercado para levantar o dólar – que é essencial para a maior parte do comércio internacional” – para que taxas mais altas pressionem ainda mais as suas margens.”
No atual quadro, quão sérios são os riscos de inadimplência para os bancos em geral? A instituição de pesquisa de investimentos norte-americana Morning Star acredita que a exposição dos bancos europeus é, em última análise, “insignificante” em relação à solvência russa, e a dos bancos norte-americanos ainda menos. No entanto, foi relatado que os bancos europeus, norte-americanos e japoneses “podem enfrentar sérias perdas”, “eventualmente da ordem dos 137 biliões de euros”.
Provavelmente, os bancos também “serão afetados de outras formas”. Por exemplo, Suíça, Chipre e Reino Unido “são os maiores destinos para os oligarcas russos que procuram armazenar o seu dinheiro no exterior”. Portugal, mas principalmente o Chipre, “também atraem riqueza russa” com os vistos gold. Eventualmente, as instituições financeiras destes países “perderão negócios em face das sanções”. Os preços das ações dos bancos britânicos Lloyds e NatWest caíram mais de 10% desde o início da invasão, por exemplo.
A crise económico-financeira além dos bancos
Nasir Aminu adverte ainda para a quase certa perda para quem tenha interesses na Rússia. “Além dos bancos, a guerra levará a perdas substanciais para muitas empresas com interesses lá [na Rússia]. Todas as empresas que recebem dinheiro de empresas russas “terão dificuldades para serem reembolsadas, já que o rublo caiu 30% e as restrições do Swift dificultarão muito os pagamentos”. Por exemplo, a Reuters noticiou que as empresas norte-americanas têm cerca de 11 biliões de euros de exposição à Rússia. Muitas dessas dívidas “acabarão eventualmente por ser amortizadas, causando sérios prejuízos”.
Algumas companhias petrolíferas, como a Shell e a BP, anunciaram que vão transferir os ativos que possuem na Rússia. Outros, como o grupo de trading e mineração Glencore, com participações significativas em duas empresas ligadas à Rússia, a Rosneft e a En+ Group, confirmaram que as colocaram “sob revisão”. Mas “se o valor desses ativos evaporar”, porque “não há compradores a preços sensatos”, empresas como estas “podem estar diante de baixas substanciais”. O perigo é que isso leve a uma “liquidação de pânico nas ações dessas empresas”, criando um efeito dominó em todo o mercado semelhante ao que aconteceu com os bancos em 2007/08″.
Os fundos de pensão também estão na linha-de-fogo. Por exemplo, o Universities Superannuation Scheme (USS) quer vender os ativos russos. O USS é “o maior fundo de pensão independente do Reino Unido”, com “cerca de 500 mil pensionistas” e “181 biliões de euros em fundos”. Os seus ativos russos valem “mais de 544 milhões” de euros. O declínio no valor destes ativos tóxicos “será um golpe muito duro”. Mais amplamente, muitos fundos de investimento também têm dinheiro em dívida soberana russa e também em ações de empresas russas. Também eles “estão potencialmente a olhar para perdas sérias”.
Resumindo, os efeitos em bola-de-neve desta guerra “são potencialmente enormes”. E “muitos mais tornar-se-ão visíveis nos próximos dias e semanas”. Com a economia global ainda a recuperar-se da pandemia e a ter já de lidar com níveis substanciais de inflação, os mercados têm sido altamente voláteis. “A invasão russa à Ucrânia “intensificou esta situação” e as finanças estarão “em alerta máximo para ver como tudo se desenrolará”.
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