Como Zelensky está a vencer a guerra da propaganda contra a Rússia
Apesar de praticamente só ouvirmos falar na máquina de propaganda de Vladimir Putin, também a Ucrânia tem as suas armas na guerra da informação. Saiba como Volodymyr Zelensky está a vencer esta guerra da informação contra a Rússia.
De acordo com Paul Baines, professor de marketing político da Universidade de Leicester, Volodymyr Zelensky “está a vencer a guerra da propaganda contra a Rússia” na Ucrânia. “Tal como o sucesso no campo de batalha, as guerras são geralmente ganhas ou perdidas pela vantagem da informação”, diz. No conflito Rússia-Ucrânia, “poderíamos esperar que a Rússia – veterana em propaganda – tivesse superado a Ucrânia desde o início”. “As operações fraudulentas da Rússia têm uma longa história de influência global, tal como aconteceu na eleição presidencial dos EUA em 2016 a favor de Donald Trump”, atesta.
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No conflito atual, os esforços de propaganda da Rússia “consistiram, em grande parte, na censura dentro da Rússia para manter a ficção do conflito como uma ‘operação militar especial‘, em vez de uma invasão”. A Rússia “criou a narrativa de que esta operação militar visa livrar a Ucrânia de nazis e de fascistas”, situa.
Mas a propaganda não precisa ser apenas por meio da mídia e da fala. As ameaças russas de dissuasão nuclear – testar um míssil nuclear e emitir ameaças vagas de guerra nuclear – para combater o apoio da Otan à Ucrânia é um exemplo. A concentração de tropas nas fronteiras Rússia-Ucrânia e Bielorrússia sob o pretexto de um exercício militar é outra. Essas ações também transmitem um elemento de propaganda porque projetam uma mensagem de ameaça: cumprir, ou então.
A propaganda “não é feita apenas pelos media”. “As ameaças russas de dissuasão nuclear – testar um míssil nuclear e emitir ameaças vagas de guerra nuclear – para combater o apoio da NATO à Ucrânia é um exemplo” de propaganda, atesta. A concentração de tropas na fronteira da Rússia com a Ucrânia e Bielorrússia “sob o pretexto de um exercício militar” é outro exercício de desinformação. Estas ações transmitem também “um elemento de propaganda porque projetam uma mensagem de ameaça: ‘cumpram, ou então..'”.
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Curiosamente, estas frentes “têm sido ineficazes”, considera Paul Baines. Alguns países da NATO “reagiram à propaganda russa através da divulgação de informações recolhidas pelos serviços secretos, incluindo detalhes das operações russas sob ‘falsa bandeira’ [ou guerra por procuração], que pretendiam fazer a Ucrânia parecer o agressor”. Noutros casos, “as ameaças de Vladimir Putin estão a ser publicamente ignoradas” por alguns países, que, em simultâneo, estão a fornecer armamento à Ucrânia”. Suécia e Finlândia estão agora mais próximas da adesão à NATO – “algo anteriormente impensável”. “Tudo isso tem valor de propaganda.”
Outros exemplos de propaganda são as notícias de que há “destemidos civis russos a manifestarem-se aos milhares“, de que “as tropas russas estão a sabotar os próprios veículos” e, “claro, a divulgação de imagens por parte da Ucrânia de alegados crimes de guerra russos”. “Tudo isto frustrou os planos de Putin e mudou a trajetória da guerra. A história de sucesso da Ucrânia parece agora mais verdadeira aos olhos do mundo do que a narrativa de desnazificação do Kremlin”, atesta o especialista em marketing político.
A propaganda não é uma prerrogativa apenas do agressor. Desde o início, a Ucrânia reconheceu a necessidade de controlar a forma como os seus cidadãos divulgavam informações e como essas informações seriam usadas pelo Kremlin. Consequentemente, a Ucrânia tornou ilegal a partilha de imagens de movimentos de tropas ucranianas ou locais de explosão nas redes sociais, “para impedir os sistemas de segmentação do Kremlin”.
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No início da guerra, a Ucrânia foi capaz de oferecer forte resistência porque o seu apelo aos cidadãos para se armarem foi bem-sucedido. Além do recrutamento de homens em idade militar, a narrativa dominante dos media ocidentais era a de que milhares de ucranianos estavam a voluntariar-se para lutar. Assim que a Rússia efetivou a invasão, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse no Twitter que entregaria “armas a quem quiser defender o país”; “uma forte mensagem patriótica acolhida por pessoas de todos os tipos, géneros e idades”. Muitos civis ucranianos “contribuem para os esforços de propaganda, espalhando imagens da guerra“. “Muitos juntaram-se ao ‘exército de IT’ da Ucrânia para hackear e derrubar sites russos“, afere.
Fora da Ucrânia, os esforços de diplomacia pública de Zelensky concentraram-se em triunfar contra probabilidades gigantescas. Ao destacar os seus sucessos militares contra as forças russas muito mais poderosas, a Ucrânia inclina-se para o mito de David contra Golias, “criando esperança e apoio ao ‘pequeno'”. “Defendendo o seu caso na NATO e nos parlamentos de vários aliados”, incluindo Japão, UE, Israel, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Portugal e outros, “Zelensky foi aplaudido em termos heroicos“.
A Ucrânia “também obteve sucesso com uma narrativa baseada na culpa do ocidente, envergonhando os países da NATO por não fornecerem mais armas para ajudar os ucranianos a defenderem-se e por não romperem os laços económicos com a Rússia com rapidez suficiente”. O dedo foi apontado particularmente à Alemanha – e o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, “foi informado de que não era bem-vindo a Kiev“. “Sob pressão política, a Alemanha anunciou que continuará a enviar tanques para a Ucrânia.”
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A estratégia da Ucrânia de culpabilizar o Ocidente “estende-se a admoestar os países da NATO (particularmente a Alemanha) por comprarem o petróleo e o gás de Putin”. Esta tentativa de fazer com que o Ocidente declare guerra económica total à Rússia “é uma linha útil de persuasão para Zelensky, porque as receitas de petróleo e gás representam uma grande parcela do PIB russo”. Um embargo total “pode forçar a Rússia a cessar fogo em meses, pois perde os recursos necessários para financiar o esforço de guerra”. A UE reconheceu a necessidade de tal embargo e pretende colocá-lo em prática, apesar da oposição húngara.
No Reino Unido, a narrativa ucraniana “explora a missão de defesa britânica para ser uma ‘força do bem no mundo‘”. Também faz uso da cautela britânica em relação à Rússia desde o assassinato de Alexander Litvinenko e a tentativa de assassinato dos Skripals, em Salisbury, em 2018. “A coragem ucraniana e o sucesso surpreendente do país no campo de batalha levaram o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, a recomendar que a Ucrânia se recuse a concordar com negociações de paz com a Rússia, a menos que esteja numa posição forte“. “Isto pode significar empurrar os russos para onde estavam antes da invasão”, considera o professor de marketing político da Universidade de Leicester.
Projetar o status da Ucrânia é importante “para puxar os cordelinhos do coração ocidental”. “O ocidente, mas particularmente a NATO, sabe provavelmente que a Ucrânia está a operar essa linha de persuasão. Mas, dadas as dificuldades que o país atravessa, responderá positivamente à maioria dos pedidos de Zelensky (exceto impor uma zona de exclusão aérea). Do ponto de vista do Ocidente, livrar-se da influência maligna de Putin em termos diplomáticos, informativos, militares e económicos seria um objetivo útil.”
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Tanto a Ucrânia quanto a Rússia estão envolvidas em operações de informação e propaganda, embora tenham “abordagens diferentes”. O Kremlin “concentra-se em operações de engano, de censura e em narrativas falsas – especialmente a de ‘desnazificação‘” A Ucrânia “está focada na diplomacia com o Ocidente e a NATO, reforçando o moral dos civis e encorajando-os a pegarem em armas, destacando as atrocidades russas e as vitórias em combate ucranianas e mantendo a segurança operacional (negando à Rússia informações sobre potenciais alvos)”, analisa Paul Baines.
A Ucrânia “tem autoridade moral porque está a usar operações de informação para travar uma guerra – uma batalha existencial de sobrevivência”. Enquanto isso, o Kremlin “está a tentar cumprir a ambição de reconstruir o império soviético destruído após a Guerra Fria”. No que parece cada vez mais provável que seja uma guerra de desgaste, “vencer a guerra da informação proporcionará grande vantagem no campo de batalha – o que é uma boa notícia para Zelensky”, considera Baines.
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