Estudo com participação portuguesa conclui que bolor pode sobreviver em Marte

Alguns micróbios da Terra poderão sobreviver temporariamente na superfície de Marte, revela estudo com participação portuguesa que realça a importância da compreensão da resistência dos microrganismos a ambientes hostis para o sucesso de futuras missões espaciais.

Estudo com participação portuguesa conclui que bolor pode sobreviver em Marte

O estudo, divulgado na publicação da especialidade Frontiers in Microbiology, teve o contributo de investigadores da agência espacial norte-americana (NASA) e do Centro Aeroespacial Alemão, incluindo a astrobióloga Marta Filipa Cortesão. Os cientistas testaram a resistência de amostras de três tipos de bactérias e um fungo a condições ambientais extremas lançando-os num balão científico até à estratosfera da Terra, zona da atmosfera cuja temperatura e radiação ultravioleta são semelhantes às encontradas na superfície de Marte, no equador.

“Alguns micróbios, em particular os esporos do fungo bolor, conseguiram sobreviver à viagem, mesmo quando expostos a uma radiação ultravioleta muito elevada”, refere, citada em comunicado pela editora da publicação científica, Marta Filipa Cortesão, uma das primeiras autoras do estudo e investigadora no Centro Aeroespacial Alemão.

Marta Filipa Cortesão, que integra como doutoranda o grupo de investigação de Microbiologia Aeroespacial no Instituto de Medicina Aeroespacial, que pertence ao Centro Aeroespacial Alemão, destaca que os esporos do fungo filamentoso Aspergillus niger, mais conhecido como bolor, “poderão sobreviver temporariamente em Marte, pelo menos durante cinco horas, mas talvez mais tempo se estiverem protegidos da radiação”.

Para os autores do trabalho, a resistência de micróbios terrestres às condições inóspitas de Marte pode ser uma ameaça, mas também um potencial recurso útil para futuras missões espaciais humanas no planeta.

“Em missões tripuladas de longo prazo a Marte, precisamos de saber como os microrganismos associados aos humanos sobreviveriam no planeta vermelho, já que alguns podem representar um risco para a saúde dos astronautas”, aponta, citada no mesmo comunicado, a investigadora Katharina Siems, que trabalha também no Centro Aeroespacial Alemão.

Contudo, segundo Katharina Siems, que assina igualmente como primeira autora do artigo, “alguns micróbios podem ser inestimáveis para a exploração espacial”, uma vez que, por exemplo, “podem ajudar a produzir alimentos” necessários à sobrevivência dos astronautas.

Para Marta Filipa Cortesão, “se micróbios terrestres podem sobreviver em Marte”, tal significa que será preciso “mais cuidado nas medidas de proteção planetária, em que a esterilização das naves espaciais é essencial para evitar falsos-positivos em missões de deteção de vida”.

Por outro lado, será possível levar estes micróbios para Marte e “usá-los na produção sustentável de recursos”, como comida, materiais e medicamentos, adianta, assinalando que “a independência da Terra em termos de recursos é um dos principais desafios à colonização” do ‘planeta vermelho’, assim como a “proteção da radiação, que é muito difícil de conseguir”.

“Como astrobiólogos e microbiólogos do espaço, queremos saber se a vida terrestre é capaz de viver noutros planetas. Isto ajuda-nos a perceber quais são os limites universais da vida como a conhecemos, que são importantes tanto na procura de vida extraterrestre, como no estudo da origem da vida no nosso próprio planeta”, diz a investigadora.

Os resultados do estudo hoje divulgado na Frontiers in Microbiology reportam-se a uma experiência feita em 23 de setembro de 2019. Amostras de microrganismos foram expostas a condições que simulavam a atmosfera, a pressão, a temperatura e a radiação em Marte.

Os micróbios “voaram” até à estratosfera terrestre, a uma altitude de 38 quilómetros, numa caixa de alumínio, a bordo de um balão da NASA, lançado de Fort Sumner, no Novo México, nos Estados Unidos da América. A missão durou seis horas e meia.

A caixa de alumínio, que “continha atmosfera e pressão artificial marcianas”, apresentava duas camadas de amostras para permitir testar a exposição dos microrganismos a diferentes condições ambientais. A camada inferior estava protegida da radiação, ao contrário da superior.

“As amostras da camada superior foram expostas a radiação ultravioleta mais de mil vezes superior aos níveis que podem causar queimaduras solares na nossa pele”, descreve, citada no comunicado da editora da publicação Frontiers in Microbiology, Marta Filipa Cortesão, que criou uma página na internet, a Space Microbes (Micróbios Espaciais), onde relata, em síntese, a experiência realizada em 2019.

Para a astrobióloga portuguesa, “esta missão foi particularmente importante porque testou um ambiente análogo de Marte menos comum”, a estratosfera terrestre. “O deserto do Atacama [no Chile], por exemplo, é um ambiente análogo mais comum para a astrobiologia”, salienta.

Um dos micróbios “sobreviventes” ao voo do balão da NASA, o bolor, já tinha sido detetado na Estação Espacial Internacional (EEI), a “casa” dos astronautas que orbita a Terra a 408 quilómetros de altitude.

Marta Filipa Cortesão e outros investigadores pretendem, num próximo passo, estudar o crescimento destes fungos “em ambiente de voo espacial simulado”, assim como levar bactérias à EEI para, numa missão financiada pela Agência Espacial Europeia, estudar “o seu crescimento em materiais antimicrobianos, tanto em ambiente real de voo espacial como em gravidade marciana simulada”.

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