Fã de Squid Game? Criador da série confirma segunda temporada

Série que encantou milhões e milhões de espectadores vai voltar com nova temporada. Squid Game faz um retrato mordaz, distorcido e colorido de violência, traição e desespero sobre a vida na Coreia do Sul atual.

O criador de Squid Game, Hwang Dong-hyuk, confirmou num evento da Netflix, em Los Angeles, que a série sul-coreana vai continuar, não adiantando a data de estreia da segunda temporada. Desde setembro, Squid Game tem conquistado uma legião de fãs. Agora todos aqueles que acompanharam o drama sul-coreano podem respirar de alívio com a confirmação de uma segunda temporada. À Associated Press (AP), Hwang admitiu que os fãs o deixaram “sem escolha” e o “obrigaram” a começar a trabalhar nos próximos episódios. “Tem havido tanta pressão, tanta procura e tanto amor por uma segunda temporada, por isso sinto que não nos deixaram escolha”, afirmou Hwang na passadeira vermelha de um evento da Netflix, em Los Angeles.

Squid Game é a série mais vista de sempre da Netflix (com cerca de 111 milhões de visualizações desde o lançamento). Trata-se de um retrato mordaz sobre a vida na Coreia do Sul atual, os espectadores são colocados diante de uma história distorcida e colorida de violência, traição e desespero, em torno de uma série de jogos macabros nos quais os jogadores lutam literalmente até a morte. Apesar do conteúdo brutal, a séria cativou o público em todo o mundo, tornando-se no principal conteúdo da Netflix em pelo menos 90 países, incluindo Portugal.

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O drama transporta-nos para uma viagem de suspense extremo ao longo de nove episódios, onde um grupo de pessoas atoladas em dívidas e infortúnios pessoais entra numa série de seis desafios de sobrevivência inspirados em jogos infantis sul-coreanos clássicos. Os perdedores morrem num implacável processo de eliminação. O único vencedor arrecada 46,5 mil milhões de won sul-coreanos (aproximadamente 34 milhões de euros).

Os primeiros episódios mostram as circunstâncias que levaram as personagens centrais a colocarem tudo em risco. O público testemunha uma série de vidas diferentes, mas todas atoladas em dívidas e miséria. Um homem despedido que depois se endividou para constituir empreendimentos fracassados ​​e jogos de azar junta-se a um gestor de fundos mal-sucedido. Um idoso com cancro em fase terminal joga ao lado de um desertor norte-coreano. Um migrante paquistanês, um gangster e centenas de outros indivíduos igualmente infelizes compõem o conjunto de caídos em desgraça fruto do capitalismo sul-coreano que apostam tudo para inverter o infortúnio.

A luta da Coreia do Sul com o endividamento familiar

Squid Game
O desespero leva Seong Gi-Hun ao desconhecido em um esforço para aplacar suas dívidas

Squid Game é uma de várias produções cinematográficas sul-coreanas recentes de sucesso, sendo a mais notável o filme Parasitas, vencedor do Óscar de Melhor Filme em 2020. O mote é quase sempre o mesmo, a crítica aguda às desigualdades socioeconómica que assolam a vida de larga fatia populacional na Coreia do Sul, o cada vez mais aprofundamento das crises de dívidas das famílias que afetam as classes média e baixa. A dívida das famílias na Coreia do Sul aumentou drasticamente nos últimos anos, para mais de 100% de PIB – o maior da Ásia. Os 20% mais ricos do país têm um património líquido 166 vezes maior do que os 20% mais pobres, disparidade que aumentou em 50% desde 2017.

aumento da dívida em relação aos rendimentos e a recente escalada das taxas de juro deixou os que não têm recursos para lidar com eventos inesperados, como uma demissão repentina ou uma doença familiar, numa posição ainda mais precária. O Índice de Gini, que mede a distribuição da riqueza nacional, coloca a Coreia do Sul praticamente no mesmo nível do Reino Unido, posição apesar de tudo melhor do que a dos EUA. No entanto, o crescente desemprego entre os jovens, o aumento dos preços das casas e a pandemia de cvid-19 reverteram a modesta redução da desigualdade experimentada nos últimos anos sob o governo progressista de Moon Jae-in.

Não são apenas as famílias que se endividam para pagar os custos de vida e de Educação – despesas essenciais para a classe média, que espera garantir o ingresso dos filhos numa Universidade. Em agosto, o governo sul-coreano anunciou novas restrições aos empréstimos com o objetivo de reduzir a dívida entre os jovens. A geração Y e a faixa dos 30 anos de idade são os que mais se endividam em relação ao que auferem.

Jogadores, vencedores e perdedores

As tentativas para conter os empréstimos, contudo, levaram algumas pessoas a recorrerem a credores com custos mais elevados e riscos mais ainda mais elevados. Esta escolha deixa muitos à mercê dos cobradores de dívidas se a menor mudança nas suas circunstâncias os levar à acumulação de dívida. Embora poucos possam imaginar-se nas mãos de gangsters que ameaçam, entre outras formas de saldarem o que lhes é devido – colher os órgãos dos devedores para venda, como é retratado em Squid Game, o fardo de uma dívida avassaladora é um problema social que se aprofunda – principal causa de suicídio na Coreia do Sul.

A inclusão em Squid Game de outras personagens representativas das minorias desfavorecidas da Coreia do Sul destaca também as consequências da desigualdade socioeconómica para esses grupos. A exploração cruel de um empregado de fábrica ou de um trabalhador migrante forçado a entrar no jogo é representativa das barreiras à mobilidade ascendente para as populações do sul e do sudeste asiáticos. Os desertores norte-coreanos também surgem como indivíduos que sem alternativa senão lutarem em muitas frentes para alcançarem estabilidade financeira e inclusão social.

O ‘milagre’ económico da era autoritária da Coreia do Sul

Squid Game
Centenas de jogadores se reúnem para a chance de ganhar bilhões de won sul-coreanos

A série caricaturiza o cristianismo, ao expressar repetidamente a crescente mudança de opinião sobre o rápido desenvolvimento da Coreia do Sul durante as décadas de 1970 e 1980 e a sua ligação ao crescimento da igreja na época. A suposta ética de trabalho protestante foi a pedra de angular do ‘milagre’ económico da era autoritária da Coreia do Sul, durante o qual planos económicos ambiciosos transformaram o país numa economia de alto rendimento. Durante estas três décadas, o sucesso do país foi visto internacionalmente como sinal de bênção.

No entanto, a corrupção era abundante entre políticos e ‘famílias’ de certa forma mafiosas, que se apresentavam como autênticos anciãos da igreja enquanto desviavam fundos e construíam os seus impérios privados. Sem surpresa, a desilusão para com alguns membros da elite política e da igreja levou muitos sul-coreanos a contestarem a verdade da afirmação do cristianismo: servir os pobres e oprimidos.

O preço do sucesso

Esta não é uma história exclusiva da Coreia do Sul. As personagens de Squid Game, os seus problemas e a sua humanidade ecoam pelas sociedades de todo o mundo. Economias semelhantes à da Coreia do Sul enfrentam muitos dos mesmos desafios, exacerbados pela pandemia ainda em curso. De facto, Squid Game aponta de forma brutal aos vencedores de cada etapa – e ao público global da série – que os bem-sucedidos conseguem-no geralmente à custa daqueles que falharam por qualquer tipo fraqueza, discriminação, falta de julgamento ou apenas falta de sorte. O episódio final sugere a possibilidade de uma segunda série, mas, ainda que não se confirme, Squid Game deixa claro que a história realmente representada está longe do fim.

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