Os 9 grandes desafios do próximo presidente moçambicano

Crise económica, desemprego, tráfico de droga, corrupção e sequestros são alguns dos nove principais desafios do próximo presidente de Moçambique.

Os 9 grandes desafios do próximo presidente moçambicano

Especialista em Investigação Lusófona e professor de Estudos Africanos da Universidade Carleton, o moçambicano David Matsinhe aponta os nove grandes desafios do próximo presidente de Moçambique. Trata-se, acordo com o professor de “uma série de problemas interligados profundamente, enraizados em dinâmicas históricas, socioeconómicas e políticas”, diz. O próximo chefe de Estado “deve equilibrar o atendimento às necessidades imediatas com mudanças estruturais de longo prazo”.

As eleições gerais de 9 de outubro de 2024 foram as sétimas de Moçambique desde que as eleições multipartidárias foram introduzidas, em 1994. “Espera-se que os resultados sejam anunciados dentro de duas semanas desde a votação. Relatos dos meios de comunicação social internacionais indicam que o partido no poder, Frelimo, e o seu candidato presidencial Daniel Chapo estão “prontos para uma vitória esmagadora”.

“É provável que isso seja confirmado pela comissão eleitoral, embora Imprensa local tenha apontado fraudes eleitorais generalizadas e descaradas e observadores falsos, entre outras irregularidades, a favor da Frelimo”, no poder desde a independência, em 1975, enquadra David Matsinhe.

A nação rica em recursos, mas empobrecida, de 35 milhões de habitantes pode esperar “um redirecionamento de políticas e estratégias” se Chapo assumir a presidência lidar com as suas crises multifacetadas?

Chapo, de 47 anos, nasceu após a independência e promete “agir com integridade”. “Mas a velha guarda colocou-o no poder para proteger e promover os seus interesses.”

As crises de Moçambique decorrem em grande parte da “corrupção sistémica” da Frelimo. “O partido deu primazia às elites políticas em detrimento do bem-estar nacional e as suas décadas de má administração, apropriação indevida e clientelismo deixaram as instituições fracas e incapazes de lidar com as questões sociais e económicas mais urgentes”, aponta Matsinhe.

O país está fragmentado. O governo “negligenciou o desenvolvimento de uma governação inclusiva e responsável e de uma infraestrutura equitativa” – que acabou em “disparidades regionais”. “Isto é especialmente verdade na província de Cabo Delgado, onde cidadãos marginalizados se tornaram vulneráveis ​​a grupos extremistas.

Essa falta de unidade e planeamento de longo prazo criou “um Estado frágil, incapaz de suportar crescentes pressões internas e externas”. “Como cientista social e especialista em direitos humanos moçambicano, passei a minha vida adulta a lutar com as complexas dinâmicas económicas, sociais, culturais e políticas do meu país.”

“Moçambique está num ponto crítico. O novo presidente deve enfrentar os desafios profundamente enraizados com determinação e reformas abrangentes”, aconselha David Matsinhe.

Os 9 grandes desafios do próximo presidente de Moçambique

“Na minha opinião, o novo líder enfrenta nove desafios principais”, desde a “profunda crise económica”, a “insurgência islâmica no norte”, as “mudanças climáticas”, o “tráfico de drogas”, o “desemprego”, a “corrupção”, uma “infraestrutura precária”, os “sequestros” e os “salários não pagos do setor público”, enumera o professor de Estudos Africanos.

9. Crise económica

“A economia de Moçambique deteriorou-se, principalmente por causa de desequilíbrios estruturais e dependência de indústrias extrativas. O crescimento do PIB caiu drasticamente, de 7% em 2014 para 1,8% em 2023.

“O crescimento mais lento resultou em mais de 62% dos moçambicanos a viverem na pobreza.

“A crise da dívida pública foi agravada pelo ‘escândalo da dívida oculta’: a descoberta em 2016 de 2 mil milhões de dólares em dívidas anteriormente não reveladas que o governo tinha garantido sem o conhecimento do parlamento. Isto limitou a capacidade do estado de investir em educação, saúde e saneamento.

“A recuperação económica deve ser acompanhada por intervenções direcionadas para promover o crescimento inclusivo. Todos os moçambicanos devem beneficiar de atividades económicas para aliviar a pobreza.”

8. Insurgência

“Desde 2017, grupos extremistas têm usado queixas locais e privação de direitos regionais para desestabilizar o norte de Moçambique. Mais de 4 mil pessoas morreram. Quase um milhão foram deslocadas.

“O conflito está enraizado em desigualdades socioeconómicas, agravadas pela extração de gás natural e rubis. Atores globais e locais competem pelo controlo.

“O papel do novo presidente na mediação desta crise requer nuance. Ele deve abordar a marginalização histórica de Cabo Delgado enquanto equilibra as respostas militares e de desenvolvimento.

“Também deve escrever um novo capítulo no deplorável histórico de direitos humanos do país, marcado por violações generalizadas do direito à vida, à integridade física, à liberdade de detenção arbitrária e às liberdades de expressão, reunião e imprensa.”

7. Crise das alterações climáticas

“As mudanças climáticas cruzam-se com as vulnerabilidades de Moçambique. O país tem sido repetidamente atingido por ciclones severos cada vez mais devastadores, como Idai e Kenneth em 2019.

“A desflorestação tornou Moçambique mais frágil, reduzindo-lhe a capacidade de mitigar riscos de inundações e erosão. O novo presidente precisará de implementar políticas que incorporem estratégias de mitigação e adaptação. Também precisará de garantir cooperação multilateral.”

6. Tráfico de drogas

“Redes de tráfico de drogas entrincheiraram-se. Fronteiras porosas, estruturas de governação fracas e corrupção endémica fizeram de Moçambique um corredor para o tráfico de heroína e cocaína.

“O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime estima que 100 milhões de dólares [92 milhões de euros] em heroína passam por Moçambique anualmente. Isto alimenta economias informais que sustentam redes de clientelismo político.

“Lidar com o problema requer instituições estatais mais fortes. Também requer colaboração regional e global para interromper o fluxo transnacional de narcóticos.”

5. Desemprego

“O desemprego está em mais de 70%, afetando os jovens em particular. A privação de direitos dos jovens corre o risco de perpetuar ciclos de pobreza, instabilidade social e potencial radicalização.

“Políticas que promovam treino vocacional e empreendedorismo são essenciais. Assim como o investimento em setores intensivos de mão de obra, como agricultura e manufatura.”

4. Corrupção

“A corrupção generalizada corrói a confiança pública e sufoca a inovação económica. Novos esforços para combater a corrupção devem ir além de reformas superficiais. Devem erradicar-se as estruturas de poder que sustentam estes sistemas.”

3. Infraestrutura precária

“As infraestruturas estão em mau estado. As estradas urbanas estão a desintegrar-se, os serviços públicos são inadequados e os ‘apagões’ de eletricidade são frequentes. As regiões rurais carecem de serviços básicos como água potável e assistência médica.

O próximo presidente vai precisar de lançar uma ambiciosa reforma das infraestruturas para melhorar as condições de vida e estimular o crescimento económico.”

2. Sequestros

“Sequestros, especialmente que visam pessoas ricas e empresários, criaram medo e instabilidade generalizados. O crime interrompe as operações comerciais e impede o investimento estrangeiro, prejudicando ainda mais o crescimento económico.

“A natureza de alto perfil dos sequestros sugere conluio entre redes criminosas e autoridades policiais, bem como ineficiências no sistema de Justiça. A persistência de sequestros reflete questões de governação mais amplas – que incluem capacidade limitada do Estado em responder efetivamente ao crime organizado.”

1. Funcionários públicos não remunerados

“Atrasos nos pagamentos de salários aos funcionários públicos agravaram problemas económicos e sociais. Os atrasos reduzem o poder de compra dos funcionários públicos e isto afetou o consumo das famílias e as economias locais. O moral dos funcionários está abalado, prejudica a produtividade e mina a confiança nas instituições governamentais.

“O novo presidente deve fazer reformas no setor público – que devem passar por auditoria de finanças, melhoria da arrecadação de receitas, aplicação de disciplina fiscal, promoção de nomeações baseadas em mérito, implementação de leis de probidade, fortalecimento de órgãos anticorrupção e diversificação da economia.”

Para David Matsinhe, especialista em Investigação Lusófona e professor de Estudos Africanos da Universidade Carleton, o futuro de Moçambique “depende da capacidade do seu próximo líder para abordar estas crises profundas e interligadas”. “É uma tarefa enorme.”

Quem quer que seja, terá de “romper com o molde da Frelimo, reverter os danos causados ​​e colocar o país num novo caminho de governação limpa, paz e crescimento económico inclusivo”, conclui.

The Conversation

Impala Instagram


RELACIONADOS