Gonçalo Braga “O meu pai teve cancro do pulmão e na altura da covid pararam os tratamentos”

Gonçalo Braga foi cuidador do pai, que morreu vítima de cancro do pulmão, mas nunca perdeu o foco. Aos 24 anos, o ator, que veste a pele de um paraplégico na novela A Protegida, da TVI, tem a sua própria produtora e está a gravar um novo filme.

Como é que surgiu este papel e como é que se preparou para este Duarte? 
Recebi uma chamada da minha agente, porque a TVI estava a convidar-me para um projeto, e na altura aceitei logo. Depois, quando recebi a personagem e percebi que ele era paraplégico, achei fantástico.

O Gonçalo interpreta sempre personagens que sofrem…
É verdade! São sempre sofridas, levam porrada, ficam paraplégicos… mas depois voltam para se vingar [risos]. Para mim, essas personagens são sempre muito mais interessantes, pelas camadas que trazem e pelo processo criativo que me trazem a mim. 

Como foi o processo criativo do Duarte?
Foi muito interessante, porque tive de ir a uma associação de pessoas paraplégicas. Queria perceber como é que era a dinâmica. O Duarte viveu até ali uma vida normal e de repente tudo muda. E eu queria saber o que muda na cabeça de uma pessoa que fica assim. Esta personagem acaba por ficar muito revoltada e, nas pessoas com quem eu falei, havia também essa revolta. 

É uma visão completamente diferente aquela que se tem a partir de uma cadeira de rodas?
Completamente, porque deixas de fazer metade das coisas que fazias. Tens de reaprender tudo. Tudo. Não consegues chegar a sítios sozinho, porque não estás preparado para isso. Não consegues cozinhar, não consegues ir buscar uma peça de fruta, não consegues tomar banho sozinho, não consegues fazer coisas básicas. E isso acaba por ser revoltante, principalmente para um adolescente, que é o caso do Duarte. 

O público já desligou do Bruno de Morangos com Açúcar e começou a olhar para o Duarte de A Protegida? 
Eu interpreto outras personagens, outras histórias e, para mim, é importante que as pessoas se liguem a essas novas personagens. Espero que se desconectem um pouco do passado. Gosto muito das personagens que fiz e todas têm um lugar muito especial no meu coração, mas a vida passa. 

Gostou de fazer Morangos com Açúcar? 
Adorei fazer os Morangos. Para mim foi uma escola, foi um projeto muito impactante. A nível de público, muita gente viu. De repente, deixas de ser desconhecido e passas a ser uma cara conhecida do público e as pessoas falam do teu trabalho. Para mim, foi muito bom perceber que as pessoas conheciam e gostavam do meu trabalho. Uma coisa é recebermos o feedback da nossa família e dos amigos, outra é recebê-lo de desconhecidos. E esse feedback é muito importante porque o meu trabalho é ser ator e criador. Gosto de contar histórias e que as pessoas se relacionem com essas histórias. Por outro lado, eu também sou espetador, gosto de ver séries e gosto de ver filmes, e também eu gosto de me ligar com as personagens.

Sente que o seu filme Dolo marcou uma viragem na sua carreira? No sentido em que  o produziu, realizou e interpretou…
O Dolo está em Singapura, está em Madrid, está em Barcelona, está em Valência. E está pré-selecionado para os Prémios Sophia. Recebo muitas mensagens de pessoas que querem ver o filme. Esta ronda de festivais é uma coisa que eu pretendo fazer, para as pessoas poderem ver a história e darem-me feedback. Este filme não é para mim, é para o mundo.

O projeto começou a ser criado em 2020…
Comecei a criá-lo no final de 2020 e só ganhou vida para o público em 2024. Para mim, foi muito especial, porque sempre foi uma coisa que eu quis fazer. Desde miúdo que gravava em câmaras, que criava histórias sozinho. Era miúdo e recebi uma câmara no Natal, e então andava a filmar tudo e a criar histórias. Com 12 anos, escrevi um filme de terror. Eu tinha essa veia de criar histórias, de realizar e, ao mesmo tempo, de querer interpretar. 

O cinema é um mercado difícil em Portugal. Foi por isso que criou a produtora Centaurea Films?

É difícil entrar no mercado, é difícil chegar a financiamentos. Criei a produtora para poder ter a minha liberdade de contar histórias. E poder fazer aquilo que eu quero. 

E agora tem um novo filme…
Chama-se Terra de Ninguém – No Man’s Land.

Como é que consegue gerir isso em simultâneo com a novela? 
Organizei as datas muito bem [risos]. Começámos a rodar no final de março e está a ser uma loucura, porque tivemos treinos militares. Na história, há uma personagem que está ferida e procura um abrigo no meio da guerra. Quando chega a esse abrigo, encontra outra personagem, que é do lado oposto. Só que ele está bastante ferido e acaba por desmaiar. Vai haver uma ligação entre estas duas personagens. É por isso que se chama Terra de Ninguém. Numa guerra, nós lutamos por uma suposta terra que achamos que é nossa, mas que no final do dia não é de ninguém.

De onde vem a sua criatividade?
Neste caso, veio de um sonho. Eu andava sem criatividade nenhuma e queria fazer um projeto. De repente, estava a bater-me a mim próprio porque não surgia nada, mas há um dia que vou dormir e acordo às três da manhã com um sonho. Vi o filme todo durante o sonho. Por isso, às três da manhã escrevi, escrevi, escrevi. Depois passei para uma argumentista, que fez o argumento todo do filme, e o resto aconteceu. É uma curta-metragem. O objetivo é mesmo levar o Terra de Ninguém – No Man’s Land a festivais de cinema. É uma estratégia da produtora.

Quando é que Braga deixou de ser a sua cidade e passou a ser o seu apelido? 
Na escola, toda a gente me tratava por Braga, porque eu tinha um sotaque gigante do Norte, e havia outro Gonçalo na turma. Então, para facilitar, passei a ser o Braga. Acho que é mais artístico. Acho que fica mais no ouvido: Gonçalo Braga.

Que recordações tem da sua infância em Braga? 
Tantas. Eu cresci lá, só vim com 17 anos para Lisboa. Quase todas as minhas recordações de infância são de lá, grande parte da minha adolescência foi lá… Mas o meu pai era de Lisboa. Então também tenho muitas recordações de Lisboa e de Setúbal, porque o meu avô tem uma casa em Setúbal e no verão íamos sempre para lá. Era muito especial.

Então foi fácil a adaptação a Lisboa?
Superfácil. Mas também vinha com um objetivo: vinha para tirar o curso e para fazer aquilo que eu gostava. Eu vinha com uma coisa muito traçada. Vivi a minha parte rebelde toda lá. E quando decidi vir para Lisboa, pensei: agora vou trabalhar, agora acabou a brincadeira, quero seguir o meu sonho. Tive o apoio da minha família e isso também foi muito especial.

Consegue ir a Braga com regularidade?
Consigo. Pelo menos uma vez por mês, tenho de ir. É família, não é? E a família um dia desaparece. Há uns tempos, vi um vídeo de um rapaz a dizer que foi para Los Angeles, na altura com 30 anos. E ele dizia que fez as contas e que só ia ver a mãe mais 30 ou 40 vezes. Isso abriu-me os olhos. Tenho de ir com mais regularidade a Braga. A minha família é o meu alicerce, eu amo-os. E como já perdi o meu pai, sei o que é a perda de um familiar e quero passar o máximo tempo que consigo com eles.  

Como é que se ultrapassa a perda de um pai? 
O meu pai queria que eu fosse feliz e queria que eu seguisse aquilo que eu gostava. E então fica isso… mas não se ultrapassa. Não se troca de pai, não é? Pai só há um. Mas acho que o foco é seguir com a vida para a frente. Ele queria que eu fosse feliz, queria que eu abraçasse o curso, queria que eu tivesse sucesso naquilo que eu queria fazer. Não há outra hipótese, temos de seguir em frente. 

Herdou muita coisa dele? 
Herdei. Tenho muitas coisas parecidas com a minha mãe, mas o meu pai era mais esperto, era mais ágil. E eu herdei isso do meu pai: agilidade e esperteza. Saber perceber as coisas, o que é que está a acontecer… Também tenho muita coisa dos meus irmãos. São mais velhos e são uma referência. Não sei o que seria sem eles.

O Gonçalo esteve a cuidar do seu pai na fase final da doença… 
O meu pai teve cancro do pulmão e na altura da covid pararam os tratamentos. Então, eu e o meu irmão tivemos de ficar a cuidar dele em casa. A situação foi deteriorando, e deteriorando. E foi quase como ter um pai a ficar um bebé, porque, quando ficas sem ar no pulmão, afeta-te o cérebro. Eu tinha 19 anos e o meu irmão tinha 21, e foi muito agressivo. Mas tinha de ser. 

Texto: ANDREIA VALENTE; Fotos: Filipe Ferreira, Mário Baú e André Lopes

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