Luísa Castel-branco “Vivi toda a vida a borrifar-me para a opinião dos outros”

Dor, amor, luta, pacificação. Eis a montanha-russa da vida de Luísa Castel-Branco, resistente, lutadora, provocadora… “antiquada”. Aos 70 anos, não tem dúvidas de que o que sofreu fez dela a mulher que é hoje. Mais do que uma entrevista, uma conversa intimista entre dois amigos que tinham saudades de estar juntos. Com perguntas difíceis, mergulhos ao inferno, visitas de fantasmas e muito prazer.

Luísa Castel-branco

 

Dizias-me antes de começarmos que estás na fase mais feliz da tua vida.

Estou bem com a vida. É esquisito, porque criteriosamente comecei a escolher aquilo que quero que seja a minha vida, coisa que nunca tinha feito. A minha vida foi sempre feita numa luta constante para sustentar os meus filhos e agora cheguei a uma fase em que não tenho nada disso. Foi uma surpresa.

 

Não ter uma obrigação podia ser uma depressão.

Podia ser, sim, ou uma crise de identidade, no sentido “o que é que eu vou fazer agora que já tenho 70 anos?” Já é tarde demais para começar seja o que for. Mas comigo foi exatamente ao contrário. Há muitas pessoas que me dizem com espanto: “Mas fizeste programas tão bons e agora estás a comentar o Big Brother e os famosos” [sorriso]. Foi exatamente aí que eu descobri que essas coisas levezinhas eram indispensáveis para mim.

 

Como se chega aos 68 anos sem nunca verbalizar que tinhas sido vítima de abusos sexuais aos sete e aos 11 anos?

Foi muito difícil. Parece muito estúpido, mas a verdade é que só há dois anos, aquando do lançamento do livro, é que consegui falar do assunto.

 

Publicamente.

E em privado. Só em terapia é que contei.

 

Nem ao Francisco [Francisco Colaço, companheiro de Luísa há cerca de 30 anos]?

Nem ao Francisco. Por vergonha.

 

Hoje tens uma relação muito bonita com os teus três filhos. Mas houve um tempo, creio que até mais com a Inês do que com o António e com o Gonçalo, em que a vossa relação era tensa, em que sentiste algumas cobranças.

Acho que é aquilo que a Inês sente hoje com o filho. Sentes culpabilização por mais que faças. Por outro lado, há sempre um jogo com os filhos, em que eles podem cobrar. A Inês não foi fácil.

 

Há 30 anos que tu e o Francisco estão juntos. O que é que ele trouxe à tua vida?

Ah, imensa coisa [sorri]. Trouxe-me serenidade e compreensão. Foi um companheiro em todas as lutas. Nunca teria feito televisão, nem escrito livros, nem uma data de coisas sem a ajuda do Francisco porque ele me puxou sempre para cima. Nunca teve complexos por eu ser quem era. Pelo contrário, sempre teve orgulho. Foi, e é, importantíssimo na minha vida, na dos meus filhos e dos filhos dele. Mostrou-me que o amor não é linear, mas isso eu sabia. Tivemos grandes crises e somos muito felizes há muitos anos.

 

Texto: Nuno azinheira; Fotos: João Manuel ribeiro

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