Associação de Bioética pede critérios claros para internar doentes nos Cuidados Intensivos

Presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), Rui Nunes, defende a existência de um quadro ético bem definido para a priorização do socorro a doentes nos Cuidados Intensivos.

Associação de Bioética pede critérios claros para internar doentes nos Cuidados Intensivos

Para «fazer face a uma procura acima das capacidades do País», Rui Nunes exige critérios claros para internar doentes com Covid-19 nos Cuidados Intensivos. «É urgente antecipar a possibilidade de o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não conseguir dar resposta atempada a todos os doentes infetados pela COVID-19 que necessitem de ser internados nas unidades de Cuidados Intensivos», sustenta. Segundo o presidente da Associação Portuguesa de Bioética, «importa que exista um quadro bem definido de priorização ética, caso se verifique escassez de recursos neste domínio, ou se verifique uma procura desproporcionada de acesso a cuidados intensivos face à oferta existente durante um período concreto e específico».

Presidente da Associação de Bioética recomenda 5 critérios

Em comunicado, o presidente da Associação Portuguesa de Bioética recomenda que sejam considerados os seguintes critérios éticos de priorização na admissão de cuidados intensivos.

1. Respeito pelo valor intrínseco da pessoa humana, pela sua dignidade e direitos fundamentais. O que implica:
a) Valorização do paciente como um todo, e não a doença de forma isolada, incluindo a perceção de gravidade por parte do médico e a gestão global dos recursos disponíveis;
b) Igualdade e não discriminação em razão de qualquer característica arbitrária, como a nacionalidade, o género, a etnia, ou a idade cronológica (a idade por si só não deve ser, em caso algum, o único elemento a considerar nas estratégias de priorização);
c) Respeito pela vontade previamente manifestada através de uma Diretiva Antecipada de Vontade (Testamento Vital ou Procurador de Cuidados de Saúde) sendo recomendável a consulta ao RENTEV.

2. Partilha do processo de tomada de decisões entre a equipa de saúde, o doente e a família, sendo de promover, entre todos, uma comunicação franca e transparente, dada a natureza extraordinária da situação.

3. Existência de critérios claros, explícitos e transparentes de priorização na admissão a cuidados intensivos:
a) Estes critérios devem ser consensuais, aprovados pelas associações profissionais representativas, e universalmente implementados em todo o território nacional, independentemente de se tratar de uma unidade do setor público, privado ou social;
b) Face a situações de escassez de recursos e à impossibilidade de admissão de todos os doentes que necessitem de cuidados intensivos, deve valorizar-se a maximização da sobrevivência até à alta hospitalar, a maximização do número de anos de vida salvados, ou a maximização das possibilidades de viver cada uma das etapas da vida;
c) Deve dar-se especial atenção a pacientes críticos e instáveis que necessitam de monitorização e tratamento intensivo que não possa ser proporcionado fora de uma Unidade de Cuidados Intensivos;
d) Deve ter-se em consideração o princípio do custo de oportunidade: admitir um paciente pode implicar negar a outro a admissão – evitar, portanto, como regra absoluta o critério “primeiro a chegar primeiro a admitir;
e) Ponderar, numa situação de absoluta escassez de recursos e equipamentos, a admissão de pessoas em que se preveja um benefício mínimo – tal como situações de fracasso multiorgânico estabelecido, risco de morte elevado calculado por escalas de gravidade, situações funcionais muito limitadas, ou condições de fragilidade muito avançada.
f) Aplicação destes critérios de um modo uniforme a todas as pessoas – e em todos os hospitais públicos, publicamente financiados, do setor privado ou social – e não de forma seletiva a doentes de idade ou com patologias crónicas.

4. Planeamento de ações de suporte psicológico aos doentes, familiares e profissionais, dado o impacto emocional e o distress moral de decisões éticas de elevada complexidade;

5. Acompanhamento da aplicação destes critérios pelas autoridades de saúde e entidades reguladoras, bem como supervisão do usufruto dos demais direitos dos doentes.

A definição destes critérios, assegura Rui Nunes, «irá facilitar a missão dos médicos num cenário de procura excessiva dos Cuidados Intensivos». «Os nossos profissionais de saúde já estão a lidar com elevados níveis de stress e exaustão, pelo que temos todos, profissionais, tutela e a própria Sociedade Civil, a responsabilidade de ajudar a facilitar a tomada de decisões num cenário de rutura», conclui o presidente da Associação Portuguesa de Bioética.

Texto: Cynthia Valente | WiN

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