Cada vez mais provas indicam que naufrágio no Quénia é de galeão de Vasco da Gama
Em entrevista à agência Lusa, o investigador do Instituto História, Territórios e Comunidades, da Universidade Nova de Lisboa, que há 25 anos mergulha e estuda os achados subaquáticos, disse que não existem certezas absolutas, a menos que se encontre “uma tábua a dizer que é o galeão São Jorge”.
Contudo, do material recolhido e da investigação efetuada resultaram fortes convicções: “Podemos, com toda a certeza, dizer que é um navio português, depois dizer que é um navio da primeira metade do século XVI, que é um navio que se perdeu à ida para a Índia e depois, finalmente, dizer que, dadas as evidências documentais, é muito provavelmente o galeão São Jorge, quase que com certeza”.
O feito reveste-se de grande importância, pois trata-se de “o mais antigo navio português a ser descoberto e escavado arqueologicamente”.
O achado foi reportado por pescadores ao largo do Quénia, perto da zona de Melinde, em 2007. Depois, Alexandre Monteiro e o arqueólogo Filipe Castro foram contactados por Caesar Bita, um arqueólogo subaquático ucraniano, que lhes fez chegar imagens de alguns artefactos, os quais revelaram que “só poderia ser o navio português”.
As escavações avançaram com fundos dos Museus do Quénia, havendo uma participação nas despesas de deslocação do arqueólogo Filipe Castro pelo Instituto História, Territórios e Comunidades, da Universidade Nova de Lisboa, bem como pela Câmara Municipal de Sines, onde Vasco da Gama nasceu.
Foi a presença de marfim, de cobre e de cerâmicas chinesas do século XVI que levou os investigadores a apontar na identificação deste galeão, assim como “algumas assinaturas da construção naval do navio”.
“Apercebemo-nos que só há dois navios nesta cronologia que foram perdidos à ida para a Índia: O galeão São Jorge de 1524, exatamente a terceira frota do Vasco da Gama, o ano em que ele depois vai morrer” e “o outro é a nau Nossa Senhora da Graça, que se perdeu em 1544”.
“A única diferença é que na nau Nossa Senhora da Graça a carga foi também salvada, além da artilharia, e no caso do São Jorge não”, observou.
E prosseguiu: “Eu estou 99% confiante de que é o galeão São Jorge de 1524 e muito me admiraria se surgissem evidências arqueológicas que o viessem a não o provar”.
O passo seguinte, defendeu, deve ser a realização da escavação integral do navio e depois a avaliação de todos os artefactos.
Neste caso, existe “o casco de um navio enterrado em sedimentos que se foram acumulando, porque aquilo servia como barreira natural de retenção de sedimentos, e perdido por entre as pedras de lastro que serviu para dar o centro de gravidade ao navio e os restos da carga”.
“Temos 27 mós de moinho de farinação, que iam certamente de Lisboa para a Índia, para fazer pão lá”, disse.
“A criação deste túmulo de areia, sedimentos, pedras de lastro, pedras de mó vai impedir que a pilhagem ocasional feita por um pescador ou por caçadores de tesouros não organizados retire muita coisa”, acrescentou.
Segundo o investigador, “o que lá está agora é um túmulo encerrado” e é isso que existe “entre os sete e os 10 metros de profundidade. É um sítio de naufrágio de um navio português que está encerrado e que contém, se calhar da linha de flutuação do navio por baixo, toda a carga que seguia a bordo e foi isso também que impediu que os salvados dessa carga se tivessem feito”.
Questionado sobre os “donos” do navio, Alexandre Monteiro disse que a propriedade física é do Quénia, a propriedade cultural é portuguesa e a propriedade científica patrimonial é da humanidade.
“Quem o detém fisicamente é pouco importante. O que é importante é o que se faz com ele e a forma como se preserva ou se se destina à caça do tesouro”, observou.
Sobre o futuro a dar a este achado, identificou progressos desde que o mesmo foi encontrado por pescadores, em 2007, nomeadamente as duas campanhas com a presença de Filipe Castro, que “é talvez o maior arqueólogo subaquático português, com o maior conhecimento científico desta época”.
“Não se pode é tirar os artefactos para fora sem que haja uma equipa de conservação e de restauro”, ressalvou.
Sobre o apoio de Portugal nesta matéria, Alexandre Monteiro não poupa críticas: “Portugal gosta muito de encher a boca com os Descobrimentos portugueses. Na verdade, hoje em dia sabemos mais sobre navios romanos do que sabemos sobre navios portugueses, porque infelizmente estes navios têm sido pilhados”.
E critica a forma como os alertas que tem feito contra a atuação de empresas de caçadores de tesouros têm sido ignorados, resultando na pilhagem e destruição de muitos achados.
Portugal “não faz o que devia”, disse, concluindo: “Não sei se é falta de orientação política, de competência, de tempo, se é falta de recursos ou se é tudo combinado”.
*** Sandra Moutinho (texto) e Pedro Lapinha (vídeo), da agência Lusa ***
SMM // VM
By Impala News / Lusa
Siga a Impala no Instagram