Covid-19: Improviso e medo da falta de oxigénio na região amazónica do Brasil
O número crescente de infetados e mortes na segunda vaga de covid-19 na região amazónica do Brasil é acompanhado da saturação dos serviços e do pessoal, com a ameaça constante da falta de oxigénio, denunciaram os Médicos Sem Fronteiras.
“O nosso plano A era ajudar a abrandar o fluxo de pacientes críticos, impulsionando os cuidados intermédios para casos moderados e graves, mas esse plano está agora fora da questão”, afirmou o coordenador de emergência dos Médicos Sem fronteiras (MSF) no Brasil, Pierre Van Heddegem.
“O plano B passa por salvar a vida dos doentes críticos, em instalações que não têm uma unidade de cuidados intensivos e com a preocupação diária de ficarmos sem oxigénio”, adiantou.
Na capital do Estado do Amazonas, Manaus, todas as camas das Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) estão cheias e as listas de espera de doentes graves ou críticos permanecem elevadas há semanas.
O número de mortos em Manaus em janeiro (2.522) quintuplicou o registado no mês anterior e quase igualou o número de óbitos em abril e maio (2.850) durante o pico anterior.
A completa saturação do sistema de saúde em Manaus significa que outras cidades a montante enfrentam atrasos ou simplesmente não podem encaminhar os seus pacientes críticos para os hospitais das grandes cidades, tendo de tomar medidas de emergência para tentar lidar com o número crescente de doentes.
Em Tefé, a poucos dias de viagem de barco da capital do estado, a organização internacional está a ajudar o hospital a passar por algumas mudanças radicais.
Estão a ser transferidos todos os departamentos médicos para edifícios próximos, tais como a escola, e a transformar o hospital regional, tanto quanto possível, num centro de referência dedicado ao tratamento da covid-19.
Em circunstâncias normais, este hospital rural enviaria todos os pacientes críticos em ambulância aérea para Manaus, mas com a maioria das camas covid-19 na capital do estado cheias, o hospital de Tefé tem de encontrar formas de tratar pacientes os críticos.
Até agora, a capacidade de tratamento da covid-19 aumentou de 27 para 67 camas, mas a situação está a ultrapassar o limite do que é possível.
A equipa dos MSF investiu um enorme trabalho no treino e formação de médicos e enfermeiros em cuidados a doentes críticos da covid-19 em oxigénio. Mas o fornecimento de oxigénio em si é uma preocupação permanente.
“Houve dias em que estivemos muito perto de uma situação desastrosa”, disse Van Heddegem, acrescentando que “as autoridades acabam de instalar uma nova planta de geração de oxigénio, mas ao ritmo atual de utilização, mesmo a nova planta pode não fornecer oxigénio suficiente para todos os pacientes”.
Os MSF estão a trabalhar na importação urgente de dezenas de concentradores de oxigénio individuais para colmatar algumas das lacunas, tanto para Tefé, como para Manaus.
Em Manaus, a organização está a apoiar a Unidade de Emergência José Rodrigues (UPA), que em teoria deveria fornecer um nível intermédio de cuidados, estabilizando os pacientes antes de precisarem de ir para um hospital de nível superior.
Como o hospital covid-19 de Manaus tem as camas sobrecarregadas, este centro tem agora de encontrar formas de providenciar o seu próprio tratamento de alto nível.
“A UPA estava totalmente sobrecarregada, com falta de médicos, enfermeiros e protocolos de cuidados intensivos”, disse o coordenador da MSF em Manaus, Fabio Biolchini Duarte.
“Quando lá estivemos pela primeira vez, a unidade tinha 18 camas e havia 45 doentes. Praticamente todo o local tinha-se tornado uma enfermaria covid-19. Foi uma das unidades de saúde onde vários pacientes morreram devido à falta de oxigénio”.
O pessoal – tanto médico como não médico – a trabalhar nesta unidade de emergência e nos hospitais maiores está a ser gradualmente esmagado pela carga emocional de ter vários pacientes a morrer todos os dias.
Os MSF trouxeram especialistas em saúde mental para prestar apoio psicossocial, incluindo na maior unidade de saúde pública de Manaus, o Hospital 28 de Agosto, onde uma equipa médica dos MSF tinha prestado cuidados aos doentes durante a primeira vaga, no ano passado.
“Em muitos casos, nem sequer lhes é possível encontrar alívio em casa, da angústia vivida no trabalho, uma vez que muitos têm familiares doentes ou perderam entes queridos. A rapidez e intensidade do que está a acontecer não permite espaço para o processamento de tantos sentimentos”, refere.
No Estado do Amazonas, a MSF está agora a gerir ou a apoiar quase 100 camas covid-19 e está a exercer pressão para uma utilização mais alargada do teste rápido de antigénio covid-19 – que indica se uma pessoa tem o vírus ativo, em tempo real.
A organização lamenta que o teste de anticorpos continue a ser o principal utilizado no Brasil, uma vez que este só pode indicar se a pessoa já teve a doença, em alguma fase, no passado, não identificando as pessoas que tiveram covid-19 há semanas ou meses, mas que já não o têm hoje.
Utilizando o teste de antigénios, apenas os doentes são colocados em isolamento, o que evita hospitalizações desnecessárias, numa altura de grande escassez de pessoal e de recursos materiais, acrescenta a organização.
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