Diário visual e textual de Daniel Blaufuks é “ato de resistência” em exposição no MAAT
O artista Daniel Blaufuks desenvolve desde 2018 um diário visual-textual onde regista a vida, que classifica como “não-diário” e assume como “ato de resistência”, exposto a partir de hoje, pela primeira vez, no MAAT, em Lisboa.
A ideia do diário surgiu em maio de 2018, quando morreu o escritor Philip Roth, e desde então o artista visual Daniel Blaufuks faz todos os dias um registo da vida em folhas brancas, nas quais cola fotografias instantâneas (polaroides), faz composições de colagens e manuscreve ou carimba frases.
Esse gesto quotidiano está na origem da exposição “Os dias estão numerados” que até 07 de outubro mostra este trabalho de Blaufuks no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa.
Nas palavras de João Pinharanda, curador da exposição, “raramente estes diferentes elementos se relacionam segundo lógicas explicativas — a autonomia de cada um é apenas condicionada pela composição visual, e cada dia impõe uma marcada liberdade poética onde o poder da palavra escrita sustenta, muitas vezes, a banalidade repetitiva das imagens”.
“Neste trabalho, o equilíbrio entre palavra e imagem é total, a frase não é uma legenda para a fotografia, são dois elementos com peso idêntico na maior parte dos dias”, disse o curador, numa visita à imprensa, destacando que Daniel Blaufuks é um “fotógrafo e artista visual com uma grande ligação à literatura”.
No MAAT, vão estar expostas estas páginas de diário, uma composição visual por dia, devidamente numeradas, expondo todo o ano de 2023, alguns dias dos cinco anos anteriores e os primeiros meses de 2024.
João Pinharanda destacou que as imagens de 2018 “não estão tão elaboradas como as de 2023”, o que mostra que “o trabalho tem vindo a ganhar densidade”.
São mais de 450 obras, constituídas por fotografias, colagens, recortes com inscrições pessoais, remetendo para breves histórias, citações e comentários.
No entanto, o próprio artista prefere classificar este diário como um “não-diário”, porque acaba por se saber muito pouco da sua vida, não é um registo íntimo e não há um retrato.
“A ideia da vida ordinária, em que nada se passa e tudo se passa. As pessoas fotografam as férias, o Natal… mas não se preocupam com o intermédio. Eu sempre fui muito interessado nisso. Há muitas fotografias da minha janela, não se passa nada na minha janela”, explicou.
De facto, a fotografia de uma janela com uma mesa por baixo é o registo mais comum desta compilação, em que as variações se encontram em pormenores como a luz, os elementos dispostos em cima da mesa, as cores e as frases que complementam a imagem.
A mesma janela pode referir-se a “nothing is impossible”, como “another heatwave”, ou a registos como “naquele dia em Lisboa” e “temos de ser leves para resistir ao vento”.
“Gosto de lhe chamar Instagram não virtual. Nada é demasiado óbvio, são apenas pistas, não se percebe se foi o meu dia”, afirmou Daniel Blaufuks.
Para o artista, este exercício diário é também “um ato de resistência”: “O dia faz sentido porque tenho uma folha para fazer, isto obriga-me a resistir; há também uma tentativa de resistência política; há um piscar de olho a outros artistas que foram ou são importantes para mim; voltei a pegar numa caneta, coisa que já não fazemos, por isso este trabalho é também uma resistência ao digital”.
Na opinião de Blaufuks, “a fotografia precisa de uma revolução interior, de uma lufada de ar fresco”.
“Os fotógrafos têm muita preocupação com a boa fotografia, com a boa luz, mas num momento em que, graças aos ‘iPhones’ somos todos fotógrafos, cabe aos fotógrafos fazer outra coisa, nomeadamente pensar, que é uma coisa que muitas vezes não fazem”.
As alterações climáticas, o racismo, a ascensão do fascismo, os direitos das mulheres, a morte e as guerras são temas muito presentes neste exercício diarístico.
A guerra na Palestina tem especial expressão no conjunto de fotografias de 2024, que ocupa uma parece lateral, na qual é possível ler frases como “gaze de gaza”, “where are the hostages?”, “palestine is burning”, ou “all eyes on rafah”, esta última colocada sobre um recorte de jornal em que se lê “L’ombre de la guerre en Ukraine”.
A coleção de imagens relativas a este ano termina com duas fotografias de Patti Smith no concerto do passado dia 07, em Oeiras, acompanhadas da frase “People have the power”, uma mensagem política que é também o título da música que a cantora escreveu com Fred “Sonic” Smith, a mesma com que encerrou o concerto.
Na parede oposta está disposta uma seleção de fotos de 2018 a 2022, enquanto a parede principal da galeria está reservada para o integral de 2023.
As frases, da sua autoria ou citadas sem referência, são manuscritas ou carimbadas e vão alternando entre as línguas que melhor domina: inglês, alemão, português e francês.
Segundo o artista, este diário passou a ser tarefa de uma vida, um trabalho que pode “levar até ao fim da vida, um trabalho que nunca acaba” e que — confessa — “gostaria de ter começado mais cedo”.
Alguns meses deste não-diário foram já apresentados em França, mas esta é a primeira vez que o artista expõe este projeto em Portugal — e a primeira vez que expõe um ano completo.
Por ocasião da exposição, são publicados os livros “Os dias estão numerados”, pela editora Tinta-da-China, e “The days are numbered”, pela JBE/JKG Books, com distribuição internacional e onde o artista apresenta, também pela primeira vez, este projeto.
A exposição “Os dias estão numerados”, inaugurada hoje às 18:00, no MAAT, abre ao público na quarta-feira, onde pode ser vista até ao próximo dia 07 de outubro.
AL // MAG
By Impala News / Lusa
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