Ex-diretora da escola-piloto do PAIGC diz que luta de Cabral continua

Lilica Boal, antiga diretora da escola-piloto na luta de libertação da Guiné e Cabo Verde, diz que ainda há trabalho por fazer para o ensino no arquipélago corresponder à história do país.

Ex-diretora da escola-piloto do PAIGC diz que  luta de Cabral continua

“Ainda hoje temos trabalho, temos uma preocupação nessa área, de fazer um programa de ensino que corresponda realmente à realidade do nosso país. Em todos os aspetos: geográficos, históricos, tudo isso”, refere, em entrevista à Lusa.

“Cabo Verde, hoje, é muito diferente daquilo que foi, mas ainda há muito a ser feito. Essa luta continua”, acrescenta, numa conversa em casa, na cidade da Praia, a propósito das comemorações do centenário do nascimento de Amílcar Cabral.

O líder das independências nomeou-a diretora da escola-piloto, em 1969, qualidade na qual elaborou manuais escolares, numa altura que só havia livros sancionados pelo regime colonial português.

Ainda hoje, aos 90 anos, Lilica Boal recita de cor os rios de Portugal, começando pelo rio Minho, de norte a sul, ou os reis da primeira dinastia, de D. Afonso Henriques em diante, como os aprendeu, na infância.

“Isso, nós sabíamos, mas se calhar muitos não indicavam sequer quantas ilhas tem Cabo Verde” e, como tal, para a luta contra a ditadura portuguesa ter força, esse era um ponto importante a resolver.

A criação da escola-piloto foi decidida no primeiro congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), em 1964 em Cassaca, nas “zonas libertadas” do sul do território guineense.

Servia para acolher os filhos e órfãos de quem estava na frente de combate, assim como para preparar os quadros para o pós-independência.

“Para quê lutar com armas na mão, se não formos capazes de formar” aqueles que vão gerir o futuro, dizia Cabral, palavras recordadas por Lilica.

A escola-piloto funcionou, primeiro (1965), em Conacri, depois em Bissalanca, arredores de Bissau, e hoje continua viva no coração de Lilica e de todos os alunos com que ainda conversa, por telefone ou em reencontros.

Com muitos, ficou uma ligação de grande proximidade.

Laços feitos na sala de aula e à volta de manuais como um, da 2.ª classe, que segura nas mãos e que ajudou a elaborar: intitulado “O Nosso Livro”, tem uma capa de fundo vermelho coberta com o desenho de uma aldeia, numa clareira de uma floresta guineense, com uma família a levar as crianças para a escola, sob um sol radiante e a bandeira do PAIGC.

A elaboração dos próprios manuais da escola foi uma das grandes tarefas em que esteve envolvida.

Rumou ao Senegal, para aprender com a experiência pós-independência daquele país e depois para a Suécia, cujo apoio à luta de libertação incluiu a impressão dos manuais escolares.

O livro da 2.ª classe que hoje reabre comprova-o: na ficha técnica está indicado que é uma edição de 1970, do PAIGC, primeira edição com 25.000 exemplares, impresso em Uppsala, Suécia.

Mas a evolução dos manuais escolares desiludiu-a.

“Foi uma das grandes deceções. Dá-se o golpe de Estado [de 1980], vim para Cabo Verde e fui nomeada diretora-geral da Educação. Mas, uma coisa que me chocava eram os manuais: não era fácil introduzir mudanças”.

O facto de boa parte do material produzido falar da Guiné-Bissau não ajudava. 

Questionada sobre se faltam figuras históricas, Lilica Boal diz que sim, mas também poemas e músicas que “reclamavam da situação de miséria, das necessidades” de alimentação, saúde e educação que o povo tinha e que eram desprezadas.

“Na escola-piloto, aprendi mais do que em todas as universidades por onde passei”, diz, recordando a “fuga para a luta” que a levou para um projeto de que ainda hoje fala com alegria rasgada: “quando começo a falar da escola-piloto já não paro”.

“Foi a melhor escola da minha vida”, diz, apesar de os tempos pós-independência terem sido difíceis para quem sonhava com um novo projeto educativo.

“Nos chegámos e havia problemas no país, problemas económicos, de saúde, de alimentação. Eram essas as prioridades. Quando vemos uma criança com fome, não lhe damos um manual escolar ou um poema para recitar”, descreve.

Por entre altos e baixos, Lilica Boal mostra-se otimista quanto à preservação do legado histórico e com as atividades que têm decorrido durante o centenário.

Amílcar Cabral celebraria 100 anos a 12 de setembro de 2024, decorrendo atividades em diferentes países para assinalar a efeméride.

Em Cabo Verde, várias comemorações estão associadas à Fundação Amílcar Cabral e incluem um colóquio internacional sobre o líder histórico, a realizar em setembro, como ponto alto do programa.

*** Luís Fonseca (texto) e Ricardino Pedro (vídeo), da agência Lusa ***

LFO // VM

Lusa/Fim

By Impala News / Lusa

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