Festival de cinema independente desafia catástrofe anunciada em Hollywood

Com a estreia mundial de um documentário produzido por Jane Fonda, uma curta de Jamie Lee Curtis e um filme com Danny Trejo, o festival de cinema independente Dances With Films procura desafiar o sentimento de catástrofe que se vive em Hollywood.

Festival de cinema independente desafia catástrofe anunciada em Hollywood

“Não podemos ser profetas da desgraça, porque sempre houve uma necessidade de entretenimento e estamos todos esfomeados por boas histórias”, disse à agência Lusa a cofundadora do certame Leslee Scallon, numa das passadeiras cor de laranja que se tornaram famosas no festival. E para se contarem boas histórias há que ser independente.

“O mote deste ano é ‘And the beat goes on’ e é exatamente disso que estamos a falar, todos continuamos”, afirmou.

A 27.ª edição do Dances With Films decorre em Hollywood até 30 de junho num contexto dramático para a indústria, com as bilheteiras norte-americanas a cair 24% em relação ao ano passado, a redução do número de produções e o êxodo de profissionais por falta de projetos.

Em Portugal, onde o cinema americano, e em particular o dos grandes estúdios, domina há décadas os ‘rankings’ dos filmes mais vistos, o passado mês de maio foi um dos piores da década, com uma quebra de quase 40% em receitas e espectadores face ao homólogo, como mostram os números do Instituto do Cinema e do Audiovisual. 

“Quantas vezes podemos assistir a histórias da Liga da Justiça em que eles batem em toda a gente e no terceiro ato há uma crise e é tão repetitivo”, apontou Leslee Scallon, sobre os falhanços das grandes produções nas bilheteiras este ano. 

“Têm excelentes efeitos especiais e isto e aquilo”, continuou. “Mas as histórias que nos tocam e que realmente nos entretêm são as que vêm de alguém que não tem 100 milhões de dólares para efeitos especiais, que tem a força da comunidade”. 

Uma dessas histórias é a de Nora Morales de Cortiñas, ativista de 94 anos que foi uma das principais Madres de Plaza de Mayo, as mães dos desaparecidos durante o terror imposto pela Junta Militar que governou a Argentina entre 1976 e 1983.

Em “Norita”, os cineastas Jayson McNamara e Andrea Tortonese contam a história da dona de casa transformada em revolucionária quando o seu filho Gustavo foi levado pelo governo da ditadura, e a continuação do ativismo até ao fim, incluindo a luta que levou a Argentina a ser o primeiro país da América Latina a legalizar o aborto, em 2020. 

“Tomei conhecimento da Nora em 2017 e notei que ela era uma ativista notável que ainda fazia barulho, bloqueava o trânsito e lutava pelo aborto aos 87 anos”, disse à Lusa o realizador Jayson McNamara. “Pensei que era demasiado incrível para não fazer um documentário sobre ela”. 

A equipa tinha um orçamento independente, minúsculo, e seguiu Norita durante três anos, passando mais três na produção. Foi quando Naomi Klein e Avi Lewis se juntaram ao projeto que Jane Fonda decidiu apoiá-lo, abrindo as portas para um maior impacto e notoriedade. 

“Estamos a ver os direitos das mulheres sob ameaça a uma escala global”, frisou a produtora Melissa Daniels, considerando que o momento da estreia é importante, por acontecer na semana em que se assinalam dois anos após a revogação do direito ao aborto nos Estados Unidos. 

Entre os 232 filmes mostrados no festival, está também a curta de horror sobre a pressão no trabalho “Burn out”, produzida por Jamie Lee Curtis; a curta “Concrete”, em que Ed Harris vive numa versão alternativa do século XX onde os cidadãos têm implantes neurológicos; “Thoughts and prayers”, produzido por Amy Poehler, sobre violência armada; e o filme de ficção científica “Tim Travers & The Time Travelers Paradox”, com Danny Trejo.

“Para contar histórias realmente originais, temos de ser independentes”, disse a atriz e produtora Felicia Day, uma das protagonistas de “Tim Travers & The Time Travelers Paradox”. 

Este foi um tema recorrente das conversas nos bastidores do festival, considerado um dos melhores da indústria. A produtora Sarah Schoellkopf citou um painel onde a discussão foi sobre como o cinema independente vai liderar o ressurgimento da indústria nos próximos anos, desafiando os atuais problemas dos grandes estúdios: concentração, aposta repetida nos mesmos temas e redução de investimentos. 

“Vai ser como nos anos 70 e 80”, disse Schoellkopf. “Toda a gente vai querer ver filmes independentes”. 

Pela passadeira laranja do Dances With Films passaram cineastas que fizeram praticamente tudo sozinhos, desde o argumento à realização e produção. Yorgo Artsitas fez tudo em “TR(OL)L”, Ryan Buffa foi a grande força por detrás de “Hoteling”, Alex Ringler serviu como criador, argumentista e protagonista de “Seeking…”. 

Em “The Pursuit of a Dream”, o produtor Brian Grigsby segue a cantora Jessica Lamarre na busca da carreira de sonho, e em “Nobody wants to shoot a woman”, Kerry Ann Enright retrata uma mãe que embarca numa jornada de crime. Toda a equipa deste filme é feminina, desde argumentista e realizadora às produtoras.

O festival Dances With Films, que em 2023 teve em competição o filme luso-americano “A Rapariga no Banco de Trás”, decorre no TCL Chinese Theatre, em Hollywood. 

ARYG // MAG

By Impala News / Lusa

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