Livro recorda passagem tumultuosa de “Ballets Russes” por Lisboa

Um livro da autoria do investigador António Laginha sobre a influência dos “Ballets Russes” no desenvolvimento da dança em Portugal, após a tumultuosa passagem da companhia por uma “Lisboa provinciana” de 1917, vai ser lançado quinta-feira.

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A companhia Ballets Russes (1909-1929), fundada na Rússia por Sergei Diaghilev, conseguiu mobilizar alguns dos mais destacados bailarinos, coreógrafos, compositores e outros artistas para o grupo que criaria renome mundial, influenciando todas as formas de dança contemporânea.

No livro “Os Ballets Russes em Portugal”, António Laginha, antigo bailarino, coreógrafo e jornalista especializado na área da dança, fundador e diretor do Centro de Dança de Oeiras, recorda a passagem da companhia por Lisboa ao longo de quatro meses marcados por “fracassos, inquietações e um quase colapso”, em contraste com o seu impacto triunfal noutros países, segundo o autor.

“Lisboa era muito provinciana naquela altura, e a maioria das pessoas que foram ver as atuações ao Coliseu, foram apenas atraídas pela curiosidade. Não sabiam da importância e qualidade do que estavam realmente a ver”, comentou Laginha em resposta a perguntas da agência Lusa enviadas por correio eletrónico.

A vinda a Portugal, recorda o livro de 134 páginas com ilustrações e fotografias da época, “foi um fiasco”, até com um dos espetáculos a ser interrompido, “porque faltou a luz em Lisboa”, lembra o também autor da “História do Bailado em Portugal” e de “O (pequeno) Livro da Dança”, ambos editados em 2021.

As peripécias da passagem por Portugal da companhia de origem russa, que viria a migrar para França e a criar sede em Paris, já tinham sido anteriormente relatadas por Maria João Castro em obras como “Lisboa e os Ballets Russes” (2012) e “O Essencial dos Ballets Russes em Lisboa” (2017), incluídas na bibliografia deste novo livro.

Num contexto europeu sombrio devido à I Guerra Mundial, com impedimentos de apresentações em muitos dos palcos europeus, a companhia chegou a Lisboa em dezembro de 1917, vinda de Madrid por comboio — depois de sete atuações no Teatro Real –, tendo partido de regresso a Espanha, para Valladolid, em março de 1918.

A capital portuguesa vivia na altura um contexto político instável, após o golpe de Estado de Sidónio Paes, e o acolhimento não foi dos melhores, mas António Laginha recorda o caso do artista multidisciplinar Almada Negreiros (1893-1970), profundamente inspirado pelas atuações da icónica companhia.

Perante a quase indiferença da imprensa da época, “Almada foi um dos grandes instigadores de um manifesto apelando ao público que assistisse aos espetáculos dos Ballets Russes”, subscrito por outras personalidades da cultura, e distribuído no Coliseu dos Recreios.

A estada em Lisboa “deixou marcas subtis, mas relevantes”, que viriam a manifestar-se no futuro Grupo de Bailados Portugueses Verde Gaio, liderado por Francis Graça, em 1940, primeira estrutura profissional de dança em Portugal no século XX, assinala o investigador.

No entanto, pouco ficou de determinante que germinasse no panorama da dança portuguesa durante décadas, ao contrário do que aconteceu na Grã-Bretanha, segundo o autor.

Laginha, perante o desconhecimento encontrado em vários especialistas estrangeiros, decidiu aprofundar o episódio e escrever este livro sobre as repercussões tardias em Portugal.

“Em centenas ou milhares de livros que, a nível internacional, já saíram com e sobre a história dos Ballets Russes, a maioria nem sequer menciona a passagem da companhia por Portugal e, quando o fazem, invariavelmente resume-se a uma infortunada frase ou parágrafo, ou a uma elusiva nota de rodapé”, lamenta à Lusa o antigo bailarino.

No livro – profusamente sustentado com referências históricas, apresentações datadas, coreógrafos e bailarinos – António Laginha aponta que, “por razões de ordem amplamente técnica, peças (históricas) do espólio dos Ballets Russes só foram interpretadas pela primeira vez por portugueses em 1947, pela mão de Margarida Abreu”, fundadora do Círculo de Iniciação Coreográfica.

“Só a partir dos anos 1970 é que o legado coreográfico dos Ballets Russes vai finalmente concretizar-se através da iniciativa de Madalena Perdigão, pela Fundação Calouste Gulbenkian, que investiu meios financeiros, técnicos e artísticos numa companhia própria”, evoca ainda o investigador.

Nessa altura, o Ballet Gulbenkian começou a recriar peças como “Carnaval”, “O Pássaro de Fogo”, “O Belo Danúbio”, “Petrouschka”, além de “La Silphide”, que continuou a ser interpretada pela Companhia Nacional de Bailado após o fim da companhia da fundação, em 2005.

Na elaboração do livro, o autor, que recorreu a várias fontes, incluindo bibliografia e depoimentos de artistas, disse ter enfrentado um processo de trabalho difícil pela “falta de arquivos na área da dança” em Portugal.

Doutorado em Estudos Artísticos pela Universidade de Coimbra, António Laginha foi jornalista no Semanário, no Diário de Lisboa, no Diário de Notícias e no Correio da Manhã e também professor em diversas escolas superiores de dança.

“Os Ballets Russes em Portugal” tem lançamento marcado para a próxima quinta-feira, às 18:00, no Foyer do Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa.

AG // MAG

By Impala News / Lusa

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