Mia Couto luta contra “esquecimento” com novo livro “A Cegueira do Rio”

O escritor moçambicano Mia Couto lançou hoje, em Maputo, o seu mais recente livro, “A Cegueira do Rio”, que apresentou como uma luta contra “o esquecimento e o apagar da memória coletiva”.

Mia Couto luta contra

“Este livro foi-me suscitado por um diálogo com a história. Há um episódio verídico que acontece em 1914 na província de Niassa, na fronteira com a atual Tanzânia, que me suscitou uma grande curiosidade, onde há um incidente militar, e a grande guerra ainda estava a começar na Europa e foi um incidente num lugar que não queria existir praticamente”, declarou o escritor.

O ponto de partida da estória é um incidente que acontece numa aldeia na fronteira entre a Tanzânia e Niassa, em que centenas de pessoas foram assassinadas pelo exército alemão que colonizava a África Oriental Alemã, a atual Tanzânia, após uma revolta que ficou conhecida como Maji-Maji.

“Todos quiseram apagar aquele incidente: os alemães do outro lado da fronteira e as comunidades moçambicanas do nosso lado e todos tinham o mesmo interesse em apagar aquele incidente. Isso é muito raro na história e suscitou-me vontade de inventar qualquer coisa à volta disso”, explicou o escritor.

No livro, Mia Couto critica a tendência de criação de “uma versão única da história”, referindo que, na sua obra, busca refletir várias versões sobre o acontecimento que se deu naquela região.

 “É pela memória coletiva, por essas versões contra um processo de esquecimento, de apagar da memória, que, naquele caso, até acho isto um pouco usual, não foi imposta a partir de cima, quer dizer, não é a versão dos vencedores que se sobrepõe às outras, mas há ali um momento que todos querem esquecer por razões diferentes”, detalhou.

“E, de repente, o lugar é apagado da geografia, da história e, como se não fosse suficiente, a própria escrita se apaga. Aparentemente há uma espécie de inversão dos lugares de poder e os africanos, os poucos que sabem escrever, são os únicos que guardam essa sabedoria”, acrescentou o escritor.

Como solução, Mia Couto pede aos artistas uma revisitação do passado, visando a criação de “uma cultura pacífica” entre os povos.

“A participação de moçambicanos no exército colonial, por exemplo, foi esquecido e agora é o Marcelo Panguana, uma primeira voz da literatura, a dizer [que] esteve lá do outro lado, acho que a literatura pode fazer esse exercício de convidar a revisitar o passado, porque a literatura não está à procura de culpados”, concluiu.

A “A Cegueira do Rio” conta com  2.000 exemplares e foi editado pela Fundação Fernando Leite Couto. 

Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955, tendo sido jornalista e professor – atualmente é biólogo e escritor.

Prémio Camões em 2013 e José Craveirinha em 2022, Mia Couto é autor, entre outros, de “Jesusalém”, “O Último Voo do Flamingo”, “Vozes Anoitecidas”, “Estórias Abensonhadas”, “Terra Sonâmbula”, “A Varanda do Frangipani” e “A Confissão da Leoa”.

Traduzido em mais de 30 línguas, o escritor foi igualmente distinguido com o Prémio Vergílio Ferreira, em 1999, com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas, em 2007, e com o Prémio Eduardo Lourenço, em 2011, pelo conjunto da obra, entras outras distinções.

“Terra Sonâmbula” foi eleito um dos 12 melhores livros africanos do século XX, e “Jesusalém” esteve entre os 20 melhores livros de ficção mais publicados em França, na escolha da rádio France Culture e da revista Télérama.

 

PYME // MLL

Lusa/Fim

By Impala News / Lusa

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