Mulheres grávidas em Gaza enfrentam “perigos graves e fatais”
As mulheres grávidas em Gaza enfrentam “graves perigos, por vezes fatais”, devido aos ataques israelitas e ao cerco imposto desde outubro de 2023, alertou o Observatório dos Direitos Humanos
O relatório de 50 páginas intitulado “‘Cinco bebés numa incubadora’: Violações dos direitos das mulheres grávidas durante o ataque de Israel a Gaza”, da autoria da investigadora Belkis Wille, conclui que o bloqueio da Faixa de Gaza pelas forças israelitas, as restrições à ajuda humanitária e os ataques a instalações médicas e ao pessoal de saúde criaram uma situação de “perigo grave, por vezes fatal” para as mulheres grávidas em Gaza, o parto e o período pós-parto.
O relatório do ODH baseia-se em entrevistas a 17 pessoas entre junho e dezembro de 2024, incluindo oito mulheres palestinianas que se encontravam grávidas durante o conflito na Faixa de Gaza, duas das quais perderam os seus bebés devido aos seus ferimentos provocados por armas explosivas, pessoal médico do enclave e pessoal médico internacional de organizações e agências humanitárias internacionais que trabalham em Gaza.
R.M., de 31 anos, foi uma das mulheres entrevistadas pela ONG e estava grávida de dois meses quando Israel iniciou a sua campanha militar na Faixa de Gaza, na sequência do ataque liderado pelo movimento islamita palestiniano Hamas ao sul de Israel, a 07 de outubro de 2023, que matou cerca de 1.200 e fez cerca de 250 reféns.
“Estávamos a passar fome no norte de Gaza. Não tínhamos gás para cozinhar. Fazíamos uma refeição por dia para conservar a lenha. A farinha era muito, muito cara. Não havia comida. Não havia frango. Não havia carne. Perdi muito peso”, relatou R.M ao Observatório dos Direitos Humanos. R.M. disse ainda que se deparou com vários problemas de saúde, como tensão arterial baixa e várias infecções urinárias ao longo da sua gravidez, acabando por desmaiar “muitas vezes”.
O relatório refere que as mulheres e raparigas grávidas “enfrentam enormes obstáculos para manter uma boa nutrição e uma dieta saudável”, essenciais para a sua própria saúde e para o desenvolvimento do seu bebé, e que várias mulheres relataram desidratação ou impossibilidade de se lavarem devido à escassez de água. O Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) comunicou que, no final de dezembro de 2024, mais de 48.000 mulheres grávidas sofriam de insegurança alimentar, e registou cerca de 60.000 casos de desnutrição aguda em crianças com idades compreendidas entre os seis e os 59 meses e 16.500 casos de mulheres grávidas que necessitavam de tratamento para a desnutrição aguda.
Após ter entrado num doloroso trabalho de parto em maio, exacerbado pelo ‘stress’ induzido pelos combates a decorrer no enclave, a família de R.M. tentou incessantemente encontrar forma de chegar ao hospital por entre as hostilidades, uma viagem que nem todas as mulheres grávidas conseguem realizar a tempo de dar à luz num hospital. Todas as oito mulheres grávidas e profissionais de saúde entrevistados pelo Observatório dos Direitos Humanos disseram que a escala dos combates significava que não se podiam deslocar em segurança na Faixa de Gaza.
Segundo a ONG, a destruição das linhas de comunicação tornou “impossível informar as mulheres sobre os locais onde podem aceder aos serviços de saúde em segurança” e que tem sido “difícil para as mulheres chegarem aos poucos serviços disponíveis em segurança e em tempo útil”. Quando finalmente chegou ao hospital, R.M. afirmou que não lhe foi dada qualquer medicação ou epidural e que, após o parto, teve de ser a mesma a mudar os seus pensos. “Fui à casa de banho sozinha. Foi terrível, foi muito difícil. Ninguém tratou de mim. Nem uma única enfermeira veio ver como eu estava, acompanhar-me ou perguntar-me como estava”, lamentou.
Poucos dias depois do parto, a família de R.M. foi obrigada a evacuar Rafah para Khan Younis, onde, desde então, têm vivido numa tenda em condições precárias e sem acesso a bens essenciais. Em janeiro, as autoridades israelitas e o Hamas chegaram a acordo sobre um cessar-fogo de três fases no enclave destruído por mais de 15 meses de guerra, durante a qual já morreram 47.283 pessoas, 70% das quais mulheres e crianças. O acordo de cessar-fogo inclui a entrada de ajuda humanitária em Gaza, o regresso dos reféns israelitas em Gaza e a libertação dos prisioneiros palestinianos detidos em Israel.
Ainda assim, segundo o relatório do ODH, várias mulheres grávidas continuam a ser “retiradas à pressa de hospitais, por vezes lotados, poucas horas após o parto, para dar lugar a outros pacientes, muitos deles vítimas da guerra”. Os cuidados obstétricos e neonatais de emergência continuam a estar disponíveis apenas em sete dos 18 hospitais parcialmente em funcionamento em Gaza, em quatro dos 11 hospitais de campanha e num centro de saúde comunitário, em contraste com os 20 hospitais e outras instalações de saúde mais pequenas que operavam antes do início da guerra no enclave.
O relatório avança ainda que todas as instalações médicas que operam em Gaza enfrentam condições sanitárias precárias e de sobrelotação, bem como uma grave escassez de bens de saúde essenciais, nomeadamente medicamentos e vacinas. O Observatório indicou que os profissionais de saúde “passam fome, trabalham demasiado e, por vezes, são alvo de ataques militares”, mas ainda assim continuam a trabalhar e continuam a esforçar-se por fazer triagens e prestar cuidados às inúmeras vítimas de ataques.
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, já foram mortos mais de 1.054 profissionais de saúde e médicos desde o início da guerra no enclave, incluindo pelo menos seis pediatras e cinco ginecologistas-obstetras.
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