Peça de teatro intergeracional conta histórias do Estado Novo e de bruxas em Gaia

Histórias de bruxas e memórias do Estado Novo misturam-se numa peça de teatro que junta idosos e crianças em Vila Nova de Gaia e que estreia terça-feira no Teatro Amador de Sandim, num projeto de combate ao isolamento social.

Peça de teatro intergeracional conta histórias do Estado Novo e de bruxas em Gaia

O desafio, contou à Lusa a mentora Mariana Santos, que com Dulce Moreira, deu corpo ao projeto GENTE-MUNDO, arrancou no final de 2023 e propunha-se recolher memórias da população das freguesias de Gaia para criar um espetáculo intergeracional.

Fruto dos “mais de 100 registos recolhidos”, que decorriam entre a década de 1940 e 25 de abril de 1974, e, entre eles, “relatos, lendas, histórias de vida, sendo que algumas delas serão contadas no palco, outras em vídeo e outras cantadas”.

“Quem aqui está vem de muitas origens, há quem tenha trabalhado a terra, quem tenha sido emigrante na França e na Venezuela”, sintetizou Mariana Santos sobre os dez idosos que se juntarão em palco a 20 crianças, na terça-feira, a partir das 15:00.

Orlando Robalinho, de 87 anos, é um deles, num duplo contributo, pois foram as suas memórias das lendas e das bruxas a originar uma parte da representação a que a Lusa assistiu: “lembro-me quando era pequeno de me falarem nas bruxas (…) mas eu não tinha medo nenhum”.

Já sobre as lendas, deu mais um testemunho: “devia ter 12 ou 13 anos, andava a brincar com uma amiga na eira do mosteiro e vi umas pingas de sangue a cair, até ficámos sarapintados e, na altura, o assunto causou alvoroço”.

“Mais tarde disseram que fora um milhafre que apanhara no ar uma ave, mas outros diziam que era castigo, porque o espaço antigamente pertencia à Igreja (…), mas nunca soube o que era”, acrescentou.

De coisa bem mais terrena falou à Lusa Natália Batista, atriz de segunda geração do Teatro Amador de Sandim, já pós-25 de abril, relatando as memórias dos irmãos mais velhos de um tempo em que fazer teatro, “não era visto com bons olhos” pelas autoridades locais.

“Antes do 25 de abril o teatro, na freguesia, era feito por jovens muito lutadores, muito persistentes (…) e que eram catalogados de comunistas, apenas porque estavam ligados ao teatro”, acrescentou, admitindo que o facto de “Sandim ficar muito distante do centro [de Vila Nova de Gaia] talvez tenha sido causado disso” bem como foi vítima de “algum poder malicioso dos então padre e o regedor” da freguesia.

E desse poder acrescentou outro episódio: “apesar de a intenção ter sido criar medo na população, a verdade é que ela estava do lado dos jovens, chegando-se a fazer grandes espetáculos no salão paroquial e, ao contrário do que o poder na freguesia queria, este estava cheio. Num desses casos, a população foi retirada do salão paroquial pela polícia, de armas apontadas, como se tratassem de ladrões ou que estivessem a fazer algo de mau”.

O GENTE-MUNDO assume-se como um espaço transdisciplinar que quer envolver a comunidade sénior do município de Vila Nova de Gaia com recurso às práticas artísticas, permitindo a esta população trabalhar o corpo, a voz e a valorização artística das suas memórias.

À Lusa, Magna Fernandes, técnica e educadora social no Centro de Dia de Sandim falou desses ganhos para os idosos, assinalando a alegria de “estarem a fazer alguma coisa, de poderem recordar, de se poderem divertir, essencialmente isso, divertirem-se, porque o facto de fazerem coisas que nunca fizeram na vida e contarem as suas histórias trouxe sorrisos à cara de cada um deles e à todos os que amanhã [terça-feira] irão assistir à peça de teatro”.

JFO // MSP

By Impala News / Lusa

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