Médico revela «cenário de guerra» nos hospitais portugueses

«O cenário é inacreditável e vê-se nos filmes de guerra», descreve Pedro Melo Lopes, médico do Serviço de Urgência da ARS Norte.

Médico revela «cenário de guerra» nos hospitais portugueses

Em conversa com o Portal de Notícias, Pedro Melo Lopes desabafa que, enquanto médico, nunca pensou «passar por uma situação semelhante». Diz o que pode atrasar e dificultar todo o processo de contenção da infeção por covid-19 e deixa conselhos aos portugueses. Pedro Melo Lopes, de 30 anos, é médico no Serviço de Urgência num centro hospitalar da Região Norte e está na linha da frente no combate ao novo coronavírus. A trabalhar várias horas por dia, mostra-se cansado, inconformado e assustado. «Tenho assistido consecutivamente a um agravamento, quer do número de casos, quer como do número de pessoas com sintomas. E, principalmente, do número de doentes graves que precisam de cuidados hospitalares diferenciados», escreveu recentemente no Facebook.

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Pedro Melo Lopes apela a medidas mais drásticas de isolamento da população

O médico aproveita post para apelar ao presidente da Câmara de Felgueiras que tome medidas mais drásticas de isolamento da população. «Temos muitos profissionais de Saúde que todos os dias saem e entram no Concelho (como é o meu caso), porque é nossa obrigação lutar pela vida. Mas depois temos fábricas com centenas de pessoas a trabalhar. Temos obras públicas a decorrer. E temos pessoas, irresponsavelmente, a percorrer a cidade durante o dia.» Num grito de revolta, descreve um cenário de guerra nos hospitais portugueses. «Tenho familiares, amigos e colegas doentes. O cenário nos hospitais é de guerra, onde persistem a dúvida e o medo.»

Em conversa com o Portal de Notícias, Pedro Melo Lopes desabafa que, enquanto médico, nunca pensou «passar por uma situação semelhante». Diz o que pode atrasar e dificultar todo o processo de contenção da infeção por covid-19 e deixa alguns conselhos aos portugueses.

Está há uma semana a trabalhar diariamente no SNS para ajudar a minimizar os danos deste flagelo. Tem trabalhado quantas horas por dia?

Estou há duas semanas, porque estava fora do Pais quando a situação deflagrou em Portugal. O horário depende. Estamos a fazer turnos de 8 horas ou 12 horas e, se houver necessidade, 24 horas.

Com que cenário com que se tem deparado?

É um cenário complicado. Primeiro porque todos os dias os profissionais de saúde têm de adaptar-se à realidade que encontram. Todos os dias tem sido um desafio constante porque a procura de cuidados aumenta progressivamente e cada vez são mais os suspeitos com infeção por covid-19. As normas mudam quase diariamente. E a necessidade dos serviços acompanha essa necessidade com todas as mudanças que isso acarreta. Quer logísticas, quer de procedimentos.

«Receio que a falta de material seja uma realidade a curto prazo»

Há falta de equipamentos?

Neste momento, os profissionais de Saúde têm sido uns verdadeiros heróis, porque todos (desde auxiliares, administrativos, enfermeiros e médicos) precisam que ter uma capacidade de se adaptar aos desafios que surgem. Colocam em risco a própria vida e as das suas famílias, para estarem na linha-da-frente na abordagem aos doentes. Os equipamentos de proteção são estritamente necessários e não podem faltar. Neste momento, nas unidades onde trabalho, sente-se que o material é gerido de forma minuciosa, mas tem existido. Surgem relatos de outros colegas que podem estar em situações menos favoráveis, porque essa gestão é feita em cada hospital. Temo que, por um lado, apesar de estarmos no início, se ressinta o desgaste dos profissionais, que não vem de agora, e receio, por outro lado, que a falta de material seja uma realidade a curto prazo, caso as admissões não diminuam.

Há equipamento para todos os doentes graves?

Neste momento de pandemia no nosso país, estamos a garantir o tratamento a todos os doentes com a dignidade que merecem. Espero que isso possa manter-se.

Acredita que possamos chegar a uma situação idêntica às de Espanha ou de Itália?

Não quero acreditar. Ninguém aqui no SNS quer acreditar que possamos chegar àquele ponto crítico de ter de escolher quem tratar. Quando chegaram os primeiros casos a Portugal e começámos a contactar com os colegas de Itália e deEspanha, começámos, cada um de nós, a agir individualmente também na comunidade. Tornou-se imperioso sermos agentes de Saúde pública e a nossa mensagem para que fiquem em casa é a única garantia de que temos de tentar impedir que a procura dos cuidados não ultrapasse a nossa capacidade de os prestar. Se isso acontecer, as coisas podem complicar-se. Por isso é que a responsabilidade individual dos cidadãos e o reflexo das suas atitudes podem ser preponderantes no combate a este flagelo.

As pessoas continuam a não cumprir o isolamento?

De modo geral, parece-me que estão. No entanto, a situação e as próprias características do vírus, cujo período de manifestação de sintomas pode ir até aos 14 dias, causam nas pessoas uma falsa sensação de segurança que pode ser fatal. Por outro lado, a mensagem da DGS e do Ministério da Saúde não é clara. Falam em passeios higiénicos que permitem às pessoas interpretá-los de várias formas. Mas sim. Para mim, o mais grave são as empresas de produtos não essenciais continuarem a laborar. Há empresas com centenas de colaboradores que utilizam transportes coletivos, trabalham no mesmo espaço e continuam a trabalhar, porque as diretivas do Governo assim o permitem. Esse é um foco incontrolável e pode atrasar e dificultar todo o processo de contenção da infeção.

«Os números [da DGS e do Ministério da Saúde] estão certamente abaixo da realidade»

Pedro Melo Lopes revela «cenário de guerra» nos hospitais portugueses
«O que mais me deixa reticente é a falta de capacidade de testar doentes» à covid-19, diz Pedro Melo Lopes, médico da ARS Norte
Acredita nos números divulgados pela DGS?

Assiste-se a coisas caricatas. Há relatórios da DGS cujos números não batem certo com os que são apresentados. Há números que são divulgados pela DGS ao meio-dia e são refutados por autarcas durante a tarde. Na minha opinião, são situações que não deviam acontecer. Mas, atendendo ao momento, percebe-se que os erros possam traduzir o momento adverso que vivemos. No entanto, o que mais me deixa reticente é a falta de capacidade de testar doentes. E, por isso, os números estão certamente abaixo da realidade e impedem que se faça um retrato real da situação.

«O cenário nos hospitais é de guerra, onde persistem a dúvida e o medo.. É isto o que sente?

Ninguém estava preparado para isto e os relatos que chegam da Europa são assustadores. De um momento para o outro, o hospital onde trabalhamos há vários anos transforma-se completamente. Começamos a isolar espaços sucessivamente maiores, entregam-nos uns fatos com capacetes, usamos tendas para observar e tratar doentes. Este cenário é inacreditável e vê-se nos filmes de guerra. Nunca pensei, enquanto médico, passar por uma situação semelhante. Já para não falar da situação clínica e da gravidade dos doentes que nos aparecem.

Teve alguma reação do presidente de Câmara de Felgueiras ao seu apelo?

O meu apelo ao presidente da Câmara foi um alerta para alguém que admiro enquanto cidadão. E que sempre se mostrou interessado em proteger os seus munícipes. Reconheço que não tem capacidade legal para fechar as empresas e ordenar isolamento. Mas, por outro lado, é uma pessoa que os cidadãos ouvem e respeitam. Enquanto médico, não posso ver o meu país definhar e quero proteger a minha família. Nesse dia, ao chegar a casa do trabalho, havia dezenas de pessoas a caminhar na cidade. Obras públicas a decorrer… E vi carrinhas de empresas a levar os trabalhadores a casa. Senti-me desesperado, porque o trabalho que estamos a fazer no hospital fica comprometido com esta circulação de pessoas. Daí, ter publicado o meu desabafo.

«Peço aos portugueses que se mantenham em casa e que cumpram religiosamente as medidas de higiene»

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«Que Portugal dê o exemplo e que seja capaz de se agigantar no combate a este flagelo, como já o fez em outros momentos da nossa História»
O que poderia mudar? Que conselhos dá aos portugueses?

Neste momento, e atendendo ao facto de que o problema avançou e o País entrou em fase de mitigação, parece-me que, isoladamente, os Estados não vão ser capazes de controlar rapidamente esta pandemia. Sou da opinião de que só uma diretiva da União Europeia alicerçada nos Estados-membro pode conter a pandemia. Com medidas de confinamento obrigatórias de, pelo menos, 14 dias. Isto para se ter uma noção real do problema e, após essa avaliação, de forma programada, tentar um regresso faseado à normalidade, com as medidas de desinfeção que estão a ser preconizadas. Caso contrário, o problema vai perdurar durante vários meses e os riscos para a vida de todos serão maiores. Aos portugueses peço que se mantenham em casa e que cumpram religiosamente as medidas de higiene que tanto apregoamos. Pelo menos que Portugal dê o exemplo e que seja capaz de se agigantar no combate a este flagelo, como já o fez em outros momentos da nossa História.

Texto: Carla S. Rodrigues | WiN

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