Professora luta há 14 anos nos tribunais por concursos mais justos na Universidade de Coimbra

A docente Maria Helena Henriques está há 14 anos nos tribunais em luta por concursos mais transparentes na Universidade de Coimbra (UC).

Professora luta há 14 anos nos tribunais por concursos mais justos na Universidade de Coimbra

A longa luta jurídica já resultou em vitórias no Supremo Tribunal Administrativo (STA), que obrigou recentemente a UC a repetir um concurso de 2010.

A docente, especialista em paleontologia, luta há mais de uma década contra a falta de transparência nos concursos lançados pela universidade. Em 14 anos, soma cinco processos contra a instituição onde é professora desde 1992 e dois dos quais já terminaram, ambos com decisão favorável à docente pelo STA.

Tudo começou em 2010, quando perdeu um concurso para professor associado no seu departamento contra um ex-aluno seu.

“Além de ser a pessoa, à época, com mais horas letivas, com mais tempo de serviço, com um currículo mais extenso, tinha agregação. Eu tinha a última graduação académica possível antes desse concurso”, disse à agência Lusa Maria Helena Henriques sobre esse primeiro concurso para professor associado que contestou, vincando que o recurso não estava centrado na ideia de perder contra um antigo aluno seu. Para a docente, isso era “irrelevante, porque ele poderia ser absolutamente brilhante”.

O concurso lançado em 2010 não tinha definido no edital o peso relativo dos subcritérios (produção científica, atividade pedagógica, coordenação de projetos, etc.) pelos quais os candidatos seriam avaliados.

Além disso, um dos membros do júri defendeu a exclusão do candidato vencedor, considerando que este mencionara factos falsos no seu currículo, mas o júri acabou por não colher a proposta.

Com base na decisão do júri que a colocou em segundo lugar (cinco votos contra três), Maria Helena Henriques começou a sua longa luta jurídica contra a UC.

Este ano, o STA deu razão à professora universitária e obrigou a Universidade de Coimbra a repetir o concurso, que lançou novo edital em final de agosto, já com o peso dos subcritérios definido.

Para Maria Helena Henriques, a decisão agora tomada pelo STA “deita abaixo uma prática de décadas de total arbitrariedade nas decisões dos concursos”.

O acórdão, a que a Lusa teve acesso, diz que os concursos não podem definir o peso dos subcritérios de avaliação após o envio das candidaturas, face à possibilidade de adaptarem posteriormente o peso desses subcritérios “em função do perfil curricular” dos candidatos, permitindo “beneficiar ou prejudicar algum deles”.

Apesar de este ter sido o primeiro processo que avançou contra a UC, a paleontóloga tinha já somado uma vitória no STA em 2018, com o tribunal a dar-lhe razão em relação a um concurso para professor catedrático na mesma instituição, que tinha contestado em 2014.

Em ambos os casos, a contestação centrava-se na falta de definição prévia do peso dos subcritérios de avaliação.

Além dos dois processos que ganhou, conta com outros três a correr em tribunal contra a UC, um dos quais relacionado com a repetição do concurso para professor catedrático determinada pelo STA em 2018, que, para a docente, apresentou novos vícios.

“Não me conformei. Se as universidades são instituições da administração pública, têm de obedecer à lei geral”, sublinhou.

O processo que agora ganhou no Supremo e que obrigou a UC a repetir o concurso poderá seguir o mesmo caminho, já que o novo procedimento lançado este ano foi contestado pela docente, que alega novos vícios, nomeadamente a nomeação de dois membros do júri que são contra-interessados (participaram noutros concursos contestados pela docente).

“Possivelmente, vai ser mais uma viagem até ao Supremo”, notou a docente, que é professora associada desde 2021.

A demora e a espera não a demovem de um processo que não permite sequer reconstituir o júri que existia em 2010 (alguns dos membros estão agora reformados e há inclusive membros que já morreram).

Depois de anos em luta contínua nos tribunais, de energia e dinheiro gasto, Maria Helena Henriques diz que é uma questão de justiça que a move, “apenas e só”.

Para a docente, a academia, ao pactuar “com procedimentos absolutamente antidemocráticos”, alimenta “um monstro, um monstro onde deveria existir a maior diversidade, democraticidade e transparência possíveis”.

Com estas vitórias jurídicas, Maria Helena Henriques pretende ajudar a tornar os concursos mais justos e transparentes, mesmo sabendo que muitas das mudanças já não a irão beneficiar.

“Não ser catedrática não é uma coisa que me deixa particularmente triste. É a questão do princípio. […] As pessoas percebem que os concursos estão errados, quer quem ganha, quer os muitos que perdem, mas não têm coragem de mudar. E só se pode mudar por via judicial. Não há outra”, salientou.

Questionada pela agência Lusa, fonte da assessoria de imprensa da UC afirmou, em resposta escrita, que a Universidade avançou com novo concurso “em plena conformidade com a decisão judicial” e que o júri “está a trabalhar para concluir o procedimento”.

Sobre a contestação já apresentada pela docente perante o novo concurso, a UC “entende que está a cumprir inteiramente a decisão do tribunal”.

A UC salienta ainda que, após a decisão do Supremo, promoveu a alteração dos editais de concurso “em conformidade com a decisão do tribunal”, nomeadamente a quantificação do peso dos subcritérios de avaliação das candidaturas.

Na conversa com a Lusa, Maria Helena Henriques lembra-se da prova para a sua agregação, em 2000, mais de 30 anos depois do 25 de Abril, em que a votação era secreta, “com bolas brancas e pretas”.

“Sem justificação, sem voto público. A lei, entretanto, mudou, mas pelo caminho ficaram muitas vítimas dessa total discricionariedade”, vincou.

JGA // SSS

By Impala News / Lusa

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