Vila Grande cumpre tradição e dá de comer a quem passa nesta aldeia de Boticas
Vila Grande cumpre hoje a tradição de dar de comer a quem passa nesta aldeia de Boticas, oferecendo um almoço com 600 quilos de carne e 150 quilos de arroz cozidos em 25 potes de ferro.
A mesa estreita, feita de tábuas de madeira, estende-se por um quilómetro ao longo de uma das ruas desta aldeia que está inserida na freguesia do Couto de Dornelas, no norte do distrito de Vila Real.
“Temos 600 quilos de carne e 150 de arroz”, afirmou à agência Lusa Pedro Pereira, 44 anos, que faz parte da organização da mesinha de São Sebastião, uma tradição antiga que foi passando de geração em geração.
O “carinho” por esta festa foi passando de pais para filhos. “Nascemos nisto”, realçou Pedro Pereira, que falava na Casa do Santo, onde, à volta de uma grande fogueira, se colocaram os 25 potes de ferro onde foi cozida a carne e, depois da bênção do padre, o arroz.
A lenda antiga vem da época da invasão das tropas francesas de Napoleão Bonaparte.
“Os soldados vinham lá em cima, saqueando aldeias, destruindo e roubando e o povo do Couto de Dornelas fez a promessa a São Sebastião de que, se eles não descessem à aldeia, iriam dar de comer a todos os por aqui passassem no dia 20 de janeiro. Nesse momento, segundo a lenda, começou a nevar e as tropas francesas seguiram o seu caminho, sem passar por aqui, e foi aí que começou a tradição”, contou Pedro Pereira.
Terá havido, acrescentou, um ano em que não houve almoço e, nesse mesmo ano, cerca de 80% dos animais morreram. “A partir daí nunca mais deixaram de o fazer e, inclusive, as pessoas mais antigas vêm buscar um bocadinho de pão benzido para dar aos animais”, referiu.
É, segundo o responsável, “de coração” que este povo se junta para dar de comer a quem por aqui passa.
Os dias que antecedem a festa de São Sebastião são de trabalho intenso. “É dia e noite sem sair daqui”, afirmou Pedro Pereira.
No forno da Casa do Santo foram antecipadamente cozidas cerca de mil broas. Há uns anos era feito um peditório pela aldeia para angariar os alimentos, atualmente ainda é feito um peditório, mas já é quase tudo comprado.
Zulmira Sanches, 76 anos, é uma das cozinheiras de serviço. A lareira acendeu-se às 03:30 desta madrugada e as horas seguintes foram passadas de volta dos potes onde começaram por cozinhar as carnes de porco.
“Metemos o arroz quando o senhor padre estiver a dar a bênção”, contou, explicando que é só depois da missa em honra de São Sebastião e da bênção que a comida começa a ser servida.
Antes, foi dada sopa feita em dois outros potes de maior dimensão.
Zulmira ajuda neste trabalho desde pequena e garantiu que, enquanto puder, vai continuar aqui a ajudar.
“É uma convivência muito boa, rimos, pomos nomeadas uns aos outros, cantamos. Ninguém sai daqui sem comer”, referiu.
Apesar do dia frio e chuvoso, a Vila Grande chegaram pessoas das aldeias e concelhos vizinhos, mas também houve excursões de autocarros e até autocaravanistas, que já ali pernoitaram.
Adelina Afonso, 74 anos, veio com um grupo de cerca de 40 pessoas de Braga. Veio por curiosidade e para visitar o Santo e disse estar a gostar da tradição. Ao lado está Arminda Gonçalves, 72 anos, que já é a segunda vez que vem a Vila Grande. “Gostei muito e, por isso, é que voltei este ano. Aquela carninha e o arroz, ai que maravilha”, salientou.
Domingos Azevedo trouxe um grupo de oito amigos de Moreira de Cónegos. “Dei a opinião para virmos cá, é tudo gente reformada. Já conhecia, já cá estive, gosto destas festas simples”, afirmou.
Domingos gosta da lenda de São Sebastião, gosta das paisagens verdes e gosta do convívio.
Rosa Fernandes, 63 anos, ficou a guardar um lugar na mesa desde o meio da manhã, com outros amigos que vieram em excursão de Braga. “É por ter esta mesa longa, comemos a sopa e a carne, é um dia diferente que passamos”, frisou.
Na bagagem alguns trazem cadeiras e bancos para ajudar na espera e, depois, na refeição.
Pela estrada foram colocadas barraquinhas para venda de produtos da terra. Rita Sanches, 21 anos, está numa delas a vender mel e fumeiro.
“É tudo feito em minha casa. O mel é a especialidade do meu pai e o fumeiro é da minha mãe”, referiu, explicando que é a primeira vez que estão a vender e a aproveitar para “fazer algum negócio”.
Paula Lima (texto) e Pedro Sarmento Costa (fotos), da agência Lusa
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By Impala News / Lusa
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