Acesso das mulheres timorenses a justiça e propriedade limitado por lacunas na lei – estudo

O acesso das mulheres timorenses à justiça, à terra e à propriedade está a ser condicionado por lacunas legislativas e “normas sociais e tradicionais”, indica um estudo do Fórum de Comunicação das Mulheres de Timor-Leste.

Acesso das mulheres timorenses a justiça e propriedade limitado por lacunas na lei - estudo

“O acesso à justiça, à terra e à propriedade para as mulheres, especialmente para as vítimas de violência baseada no género, é condicionado por lacunas no Código Civil e no Código de Processo Civil, mas também pelas idiossincrasias do sistema jurídico e da justiça tradicional, sendo igualmente limitado por normas sociais e tradicionais que desafiam a divisão equitativa de bens”, pode ler-se no documento da organização não-governamental, divulgado quinta-feira.

Para Maria Domingas Fernandes Alves, do Fórum de Comunicação das Mulheres de Timor-Leste (Fokupers, sigla em tétum), criado em 1997 e que protege mulheres vítimas de violência, a desigualdade existe “principalmente na herança de terras”.

“Embora as terras pertençam às filhas e aos filhos, na divisão são os filhos masculinos que decidem quem fica com as partes maiores e mais uteis”, explicou à Lusa a também antiga ministra da Solidariedade Social timorense.

Maria Domingas Fernandes Alves notou ainda que, apesar dos direitos estarem previstos na Constituição do país e em instrumentos internacionais ratificados por Timor-Leste, não têm expressão no Código Civil do país, que ainda não foi revisto.

O relatório, denominado “Justiça, Terra e Propriedade para as Sobreviventes de Violência Baseada no Género”, salienta que “existem muitos desafios para superar modelos de personalidade e subjetividade nas relações que perpetuam a instabilidade de direitos para homens e mulheres, mas que acabam por afetar mais as mulheres, especialmente aquelas que já sofreram violência baseada no género”.

Dados da Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, da ONU, indicam que, em Timor-Leste, mais de metade das mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos sofreram violência física ou sexual de um parceiro do sexo masculino.

Segundo Maria Domingas Fernandes Alves, há mulheres vítimas de violência que deixam os seus lares e que não podem regressar para casa dos pais, perdendo tudo.

“Se ficarmos calados, não vamos resolver problemas nenhuns, é sempre melhor sacudir o Estado, porque estes problemas existem e precisam de ser resolvidos”, salientou.

Para solução dos problemas e defesa das mulheres, principalmente das mais vulneráveis, a Fokupers propõe alterações ao Código Civil que passam por reconhecer as uniões de facto, passar a registar os casamentos tradicionais nos cartórios e a possibilidade de realizar casamentos civis sem a exigência de um casamento católico prévio.

A organização não-governamental propõe também que os jovens recebam informação sobre os regimes de casamento de acordo com o quadro jurídico timorense, para que “possam conhecer os seus deveres e direitos como cônjuges, incluindo o direito à herança e à propriedade de terras e bens”.

No relatório é também defendido que se deve sensibilizar os operadores jurídicos do sistema judicial em relação às necessidades das sobreviventes de violência do género, nomeadamente no que diz respeito à partilha de bens, dinheiro e apoio aos filhos, bem como as comunidades.

“É importante salientar que garantir o acesso à terra e à propriedade com igualdade de género efetiva é um instrumento para o empoderamento das sobreviventes e para assegurar a estabilidade económica e o desenvolvimento nacional”, acrescenta o documento.

MSE // CAD

By Impala News / Lusa

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