Como Israel usa o controlo financeiro como punição coletiva contra a Palestina
O israelitas retiveram fundos que fornecem bens e serviços básicos à Cisjordânia e a Gaza seis vezes desde os acordos de paz da década de 1990. Eis como Israel usa o controlo financeiro como punição coletiva contra a Palestina.
O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, anunciou em 22 de Maio que irá reter receitas fiscais palestinianas da Autoridade Palestiniana na Cisjordânia “até nova decisão”. A medida ocorreu no mesmo dia em que Noruega, Espanha e Irlanda anunciaram que iriam reconhecer um Estado palestiniano.
Estes fundos constituem entre 60% e 65% do orçamento público palestiniano. Retê-los terá um efeito devastador tanto num governo palestiniano já em crise financeira como nas vidas do povo palestiniano.
Não é a primeira vez que os israelitas retêm fundos que fornecem bens e serviços básicos às pessoas na Cisjordânia e em Gaza. Israel utilizou esta ferramenta seis vezes desde os acordos de paz da década de 1990, quando começou a cobrar impostos em nome da Autoridade Palestiniana.
Retenção de fundos começou em 1997 e repetiu-se 5 vezes
O primeiro episódio ocorreu em 1997 fruto da violência entre colonos e o povo palestiniano na Cisjordânia. A UE teve de intervir para cobrir as despesas operacionais da Autoridade Palestiniana e os EUA acabaram por pressionar Israel a transferir as receitas no final desse ano para manter as negociações de paz.
Mais tarde, em 2000, os palestinianos organizaram uma grande revolta contra a ocupação israelita, conhecida como a intifada de Al-Aqsa (ou a segunda intifada). Israel acusou o governo palestiniano de financiar atividades terroristas durante o levante. Apesar de não terem sido encontradas provas que apoiassem as alegações, Israel reteve novamente receitas fiscais, desta vez durante dois anos.
Em 2002, as receitas da Autoridade Palestiniana caíram 79%. Os funcionários do sector público, que na altura representavam 26% dos que trabalhavam na Cisjordânia e em Gaza, ficaram sem o salário integral durante todo esse período.
A violência nos territórios palestinianos e em Israel intensificou-se até 2005. Cisjordânia e Gaza sofreram destruição maciça, com os custos da substituição das infraestruturas danificadas estimados em 1,6 mil milhões de euros. As forças israelitas transformaram muitas cidades, vilas e aldeias na Cisjordânia em zonas militares restritas, colocando os residentes sob recolher obrigatório durante dias seguidos. Tudo isto levou o governo palestiniano à beira do colapso financeiro.
Israel empurra Palestina para recessão económica dramática
Em 2006, dá-se novo episódio, quando o Hamas venceu as eleições legislativas e assumiu o controlo administrativo da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. De Março de 2006 a Julho de 2007, Israel reteve receitas fiscais no valor estimado de 1,1 mil milhões de dólares, levando ao congelamento da maioria das atividades governamentais, incluindo serviços públicos essenciais de saúde e de educação, e causou uma dramática recessão económica.
Sob a liderança da UE, os doadores internacionais intervieram para fornecer apoio financeiro direto aos palestinianos, incluindo o fornecimento de subsídios sociais a alguns funcionários públicos não remunerados e assistência financeira para famílias de baixos rendimentos. A pedido de Israel, porém, este apoio financeiro contornou a Autoridade Palestiniana e foi canalizado através de mecanismos alternativos.
Em 2011, Israel suspendeu as receitas fiscais durante um mês, depois de a Autoridade Palestiniana ter solicitado o reconhecimento do Estado palestiniano na Assembleia Geral da ONU. Depois, no início de 2015, Israel reteve receitas fiscais pela sexta vez, após a Autoridade Palestiniana ter solicitado a adesão ao Tribunal Penal Internacional.
Entre 2000 e 2017, a Autoridade Palestiniana sofreu perdas de 6,6 mil milhões de dólares como resultado do atraso nas transferências de receitas – que se deveu em grande parte à perda de juros auferidos e aos custos de empréstimos de financiamento alternativo. Israel, no entanto, nunca compensou a Autoridade Palestiniana por estes custos.
Além de reter receitas, Israel deduz unilateralmente contas de eletricidade, água, saúde, esgotos e ordens judiciais antes de enviar um montante de receita líquida para a Palestina. Em 2019, por exemplo, Israel deduziu 43 milhões de dólares do orçamento da Autoridade Palestiniana: quantia que alegou que a Palestina tinha pago às famílias de palestinianos presos ou mortos como resultado do ataque a Israel.
As consequências para o povo palestiniano
Israel está a utilizar o controlo financeiro como instrumento de punição coletiva contra a Palestina. É uma estratégia que prejudicou gravemente a economia palestiniana e, como consequência, o bem-estar do seu povo.
O Banco Mundial estima que 21% da população palestiniana já era considerada pobre – a viver com apenas 1,9 euros por dia – na véspera da segunda intifada. Este número subiu para cerca de 60% em Dezembro de 2002, dois anos depois de Israel ter suspendido a entrega de receitas fiscais pela segunda vez.
Quando as receitas fiscais são retidas, muitos palestinianos são forçados a reduzir as suas despesas alimentares e educacionais, bem como o seu acesso a cuidados de saúde. Por exemplo, o consumo médio diário de alimentos de uma pessoa pobre na Cisjordânia e em Gaza em 1998 era equivalente a 1,4 euros por dia. Este valor caiu para 1,3 euros no início de 2002 – consequência direta da retenção de receitas fiscais por Israel durante dois anos.
O efeito cumulativo destas suspensões estrangulou a economia e a sociedade palestinianas, contribuindo para um ciclo de pobreza e privação. O novo anúncio irá apenas agravar estas condições, piorando ainda mais a situação dos palestinianos na região.
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