Durão Barroso contesta «ataque político pessoal pouco velado» da Provedora Europeia
O ex-presidente da Comissão Europeia manifestou «grande surpresa e grave preocupação» com as recomendações da Provedora de Justiça Europeia
O ex-presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso manifestou hoje “grande surpresa e grave preocupação” com as recomendações da Provedora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, classificando-as como “um ataque político pessoal pouco velado”.
Numa carta endereçada a O’Reilly, com conhecimento do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, Durão Barroso contesta o conteúdo das 17 páginas de recomendações da Provedora de Justiça à Comissão Europeia hoje divulgadas, relativas a uma investigação conjunta de três acusações de lóbi junto das instituições europeias em favor do banco Goldman Sachs, depois de ter deixado o cargo de presidente do executivo da UE.
“Existe um enquadramento legal específico para o emprego de comissários após os seus mandatos, algo que eu escrupulosamente respeitei, como confirmado por duas autoridades independentes competentes: a Comissão Ética Ad Hoc (AHEC) e o Departamento Europeu Anti-Fraude (OLAF)”, sustenta Durão Barroso.
O antigo responsável máximo da UE critica o facto de, “em nenhum lugar nas 17 páginas das suas recomendações”, O’Reilly ter “sumarizado ou apresentado a sua avaliação dos argumentos e opiniões” que lhe apresentou numa carta anteriormente enviada à Provedora Europeia.
“Uma abordagem tão parcial desmente qualquer ideia de tratamento justo, [já que] esse enquadramento legal é o único contexto em que o meu caso pessoal poderia ser avaliado pela Comissão”, observa.
Perante isto, Durão Barroso recorda a O’Reilly quais são as suas funções: “Enquanto Provedora de Justiça, o seu papel é investigar possíveis atos reprováveis de instituições da UE para benefício de cidadãos da UE e fazer recomendações a instituições relevantes na eventualidade de essa má gestão ser identificada”.
“Como eu o entendo, o seu papel neste caso é, portanto, assegurar-se de que o enquadramento legal relevante foi respeitado pela Comissão e, onde necessário, sugerir melhorias na regulamentação relevante (como, por exemplo, no Código de Conduta)”, prossegue.
“É, assim, inaceitável que as suas recomendações pareçam incluir uma crítica da avaliação feita por uma autoridade independente competente sobre a minha situação individual”, comenta, dizendo-se “surpreendido” por a Provedora “parecer considerar-se livre de contradizer as conclusões alcançadas pela independente AHEC, nomeadamente que não houve (…) violação das obrigações legais consagradas”.
“Observo também que não faz qualquer referência à investigação independente do OLAF, que lhe foi referida na minha [anterior] carta e que não encontrou provas de infração legal da minha parte e foi encerrada sem qualquer recomendação de acompanhamento”, frisa Durão Barroso.
Referindo que as recomendações da Provedora de Justiça Europeia “parecem agora assentar significativamente” na reunião que manteve com o vice-presidente Katainen no outono do ano passado, o ex-governante europeu queixa-se de que, mais uma vez, O’Reilly não procurou conhecer o seu lado da história desse encontro.
“Isso é infeliz, porque eu poderia ter dissipado quaisquer dúvidas”, sustenta, acrescentando que também aqui, mais uma vez, as recomendações da provedora “vão além do que é exigido no contexto das suas funções de identificar eventuais procedimentos condenáveis por parte das instituições europeias”, emitindo um juízo sobre a sua situação individual.
Sobre isso, salienta: “Ao contrário da Comissão, enquanto alvo da sua investigação, eu, como parte terceira nomeada e afetada, pareço não ter um direito formal de resposta às suas recomendações”.
Acresce também que Emily O’Reilly “ignorou as explicações dadas pelo próprio sr. Katainen, inclusive num debate do Parlamento Europeu (a 28 de fevereiro), indicando que se tratou de uma reunião privada de natureza pessoal e que não envolveu qualquer ‘lobbying’ em favor do [banco] Goldman Sachs”, e ignorou também “o facto de o atual presidente da Comissão Europeia ter declarado ser de opinião de que a reunião respeitou integralmente as regras da Comissão”, aponta Durão Barroso.
“O Goldman Sachs também declarou publicamente que quaisquer reuniões que eu possa ter com responsáveis da UE são a título pessoal e que eu me escusei de representar o banco em quaisquer interações com responsáveis da UE”, frisa ainda.
“Além disso, não posso deixar de observar que a sua abordagem significaria que me seria totalmente impossível encontrar-me a título individual com qualquer dos meus amigos e antigos colegas de dez anos na Comissão, por um período indeterminado”, quando “de facto, o atual presidente indicou que não estou de modo algum impedido de me encontrar com atuais comissários”, sublinha Durão Barroso na carta.
Por outro lado, o ex-presidente da CE chama a atenção para o facto de esta investigação incidir sobre a forma como a Comissão lidou com a sua nomeação, em finais de 2016, para o Goldman Sachs, pelo que a sua reunião com Katainen “cerca de 12 meses depois não pode propriamente ser alvo da investigação” da Provedora.
“Há muitas outras questões nas recomendações que, na minha opinião, constituem um ataque político ‘ad persona’ pouco velado”, comenta, acrescentando: “É uma ironia amarga que tenha procurado usar o seu cargo desta maneira”.
A concluir a missiva, Durão Barroso confronta a Provedora de Justiça Europeia com a necessidade de o informar sobre os meios legais de que dispõe para se defender, tendo em conta que as suas recomendações não podem ser contestadas em tribunal e que estas incidem sobre as suas ações individuais e afetam os seus direitos individuais.
“Se, porém, as suas recomendações não envolverem qualquer avaliação legal das minhas ações, então penso que devia tornar isso claro, [porque] neste momento, não está”, remata.
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