Empresária portuguesa Myriam Taylor luta contra um mundo em que o cabelo afro é barreira
“Na base da estrutura, na base da pirâmide, tens as mulheres negras”, disse à agência Lusa a “empresária de impacto social”, que criou a Cimeira da Humanidade (Humanity Summit), uma plataforma de ativistas e pensadores mundiais que procuram um mundo melhor.
Após levar o evento às Nações Unidas, Myriam Taylor conduziu-o em Lisboa, em 2023, e, no ano passado, como um dos eventos paralelos ao G20 no Rio de Janeiro, Brasil.
“Gosto de ser apresentada como mulher portuguesa, negra, mãe, esposa e humanista”, afirmou, recordando a inquietação que cedo a atingiu e que resultou de acontecimentos como as ameaças que a família, oriunda de Angola, recebeu quando se mudou para Faro, no Algarve.
“Eu tinha 11 anos e eu tinha medo de atender o telefone”, recordou, reconhecendo que cedo entendeu os vários problemas que a iriam assombrar: “Os primeiros obstáculos foram em função da comunidade a que eu pertenço, na qual me tentam fechar, e em relação à questão do género. São duas questões, as quais eu nunca pude evitar, porque ser mulher e ser negra em Portugal, e no resto do mundo, ainda pesa a desfavor”.
Myriam passou pelo associativismo juvenil, voluntariou-se numa série de associações e estudou teatro em Londres, em busca da criação de outras narrativas.
“A mim interessava-me estudar teatro exatamente para entender todas essas dinâmicas. E sentia muita urgência de poder produzir contranarrativas, porque nada daquilo que eu lia, nada daquilo que eu via e vejo em meios de comunicação, no cinema, no teatro, me representava. Mesmo os textos que eram escritos para personagens negras, não eram escritos por pessoas negras. Portanto, não tinham verdade. Porque a minha realidade era totalmente diferente. A minha realidade, a minha experiência, a minha vivência familiar, o meu crescimento, era muito diferente das histórias que contavam em relação às pessoas negras”, disse.
Licenciou-se em Londres, especializou-se em teatro político e trabalhou com mulheres vítimas de violência doméstica, maioritariamente portuguesas, em Paris. No Rio de Janeiro trabalhou com mulheres trabalhadoras domésticas e em Angola com órfãos de guerra.
Foi quando estava grávida do primeiro filho e o médico a advertiu para o perigo de usar certos produtos no cabelo, como desfrisantes, que se questionou por que os usava.
“Fi-lo porque me foi transmitido que o meu cabelo se tornaria mais manuseável, manejável, e porque existe uma pressão social muito forte para que nos possamos enquadrar nos padrões de beleza eurocêntricos. De certa forma, isso acaba por ser aquilo que me levou a criar a Muxima”, um projeto que promove a equidade e a inclusão, facilita a entrada de empresas internacionais, de uma forma responsável e sustentável, nas economias do Sul Global e desenvolve produtos dirigidos ao cabelo crespo e cacheado.
Apesar de lamentar não ter assumido mais cedo e em plenitude a sua identidade, Myriam Taylor assegura: “Eu não vou ser menos negra por esticar o cabelo. Eu sei que a minha aparência é também, assim, um ato político”.
E partilhou histórias de pessoas negras que, apesar de terem as devidas competências, foram advertidas que só teriam o cargo se apanhassem ou esticassem o cabelo.
“Quando isto ainda é uma questão, evoluímos muito pouco”, disse, acrescentando que se vive um momento, em Portugal e no mundo, “muito preocupante”, em que a pressão para se andar para trás é grande, mas também o é a resistência.
“Nós temos as pessoas a manifestarem-se na rua, porque entendem aquilo que se está a passar e que não é ficando em casa, e com o ativismo de Facebook, que as coisas se vão alterar. Agora, há uma grande parte da população portuguesa que precisa desse despertar também, porque o perigo da perda de direitos vai-nos afetar a todos”, observou.
E adiantou: “Eu acredito que a maioria das pessoas da nossa sociedade ainda acredita na democracia e sairmos à rua também é dar esse sinal bem claro a quem nos governa de que nós temos esse poder de os eleger e de os retirar, enquanto tivermos democracia. Mas só que o perigo é este: Nós estamos num momento no mundo em que existe o perigo de perdermos a democracia. Sair à rua neste momento significa sair em defesa de Estados e regimes democráticos”.
Sobre os últimos acontecimentos envolvendo imigrantes, a ativista elegeu como mais chocante a afirmação do líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, a propósito da morte de Odair, de que, se as forças de segurança “disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem”.
“Dizer que morreram poucos e que deviam ter morrido mais, isto é uma alarvidade. Se fosse eu a dizer… Imagina isto numa circunstância distinta. Imagina que tivesse sido eu ou o Mamadou Ba a fazer uma afirmação deste tipo. Já estava presa. Não existe aqui proporcionalidade”.
Segundo a sua criadora, a Muxima é um “catalisador de projetos” que vão ao encontro do que a sua equipa defende, nomeadamente em áreas como educação, política, ciência, media e tecnologia.
Na Cimeira da Humanidade são discutidos todos os temas que afetam a sociedade, culminando num Pacto da Humanidade, o qual tem “uma engenharia reversa”.
A liberdade, a justiça e a dignidade foram eleitas como fundamentais para a felicidade, pelo que a equipa da cimeira — composta por cerca de 200 pessoas de 45 países – desenvolveu “25 objetivos holísticos” para os alcançar, os quais foram apresentados nas Nações Unidas e, mais tarde, ao G20.
*** Sandra Moutinho (texto), Pedro Lapinha (vídeo) e Miguel Lopes (foto), da agência Lusa ***
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By Impala News / Lusa
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