Governo do Brasil usa lei da ditadura para reprimir críticos
O Governo do Brasil está a usar uma lei repressiva promulgada durante a ditadura (1964-1985) para pedir sentenças de prisão contra pessoas que criticaram as suas ações na pandemia de covid-19, denunciou hoje a Human Rights Watch.
Num comunicado, a organização não-governamental de defesa dos diretos humanos, frisou que desde junho de 2020 a Polícia Federal brasileira instaurou inquéritos com base na Lei de Segurança Nacional de 1983, a pedido do Governo, contra pelo menos quatro pessoas que trabalham em meios de comunicação social e que fizeram críticas.
O Governo brasileiro também requisitou uma investigação criminal contra um ministro do Supremo Tribunal Federal, com base na mesma lei, e contra dois jornalistas com base em outra lei. A Polícia Federal e o Ministério Público não informaram se abriram investigações nos três casos.
“A Lei de Segurança Nacional concede proteções especiais à reputação do Presidente ou de outras autoridades do alto escalão, e das Forças Armadas, algo que nenhum outro cidadão ou instituição brasileira recebe”, disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão para as Américas da Human Rights Watch (HRW).
“Num país democrático que protege a liberdade de expressão, a população deveria ser capaz de monitorizar e criticar autoridades, e debater livremente questões de interesse público, sem medo de retaliação ou punição”, acrescentou.
A HRW explicou que no dia 15 de junho, o ministro da Justiça do Brasil, André Mendonça, afirmou no Twitter que pediu à Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República que investigassem o ‘cartoonista’ Renato Aroeira por um ‘cartoon’ e o jornalista Ricardo Noblat por partilhar a ilustração na internet.
O desenho retratava o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, com um pincel após pintar as pontas de uma cruz vermelha para a transformar numa suástica.
Mendonça disse que o ‘cartoon’ — e a partilha por Noblat — violou o artigo 26.º da Lei de Segurança Nacional, que pune com até quatro anos de prisão uma calúnia ou difamação contra o Presidente da República.
O mesmo ministro voltou a manifestar-se contra críticos do Presidente brasileiro em 7 de julho, quando escreveu no Twitter que pediria à Polícia Federal que investigasse Hélio Schwartsman, um colunista de jornal, também com base no artigo 26.º, por um artigo de opinião no qual acusou Bolsonaro de sabotar os esforços para conter a covid-19 e disse torcer pela morte do Presidente, que tinha sido então diagnosticado com covid-19.
A Polícia Federal instaurou inquéritos sobre os três casos. O Superior Tribunal de Justiça suspendeu temporariamente o inquérito contra Schwartsman.
No dia 14 de julho, o Ministério da Defesa pediu à Procuradoria-Geral da República que investigasse Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, por criticar a falta de ação do Ministério da Saúde, chefiado por um general, na contenção da covid-19 e por afirmar que “o Exército está a associar-se a esse genocídio”.
O Ministério da Defesa disse que a declaração violou o artigo 23.º da Lei de Segurança Nacional, que pune com até quatro anos de prisão quem “incitar à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”, bem como disposições adicionais dos códigos penal e militar.
A Procuradoria-Geral do Brasil não informou se abriu uma investigação neste caso, segundo a HRW.
Também foram mencionados outros pedidos de investigação por difamação feitas por membro do Governo brasileiro contra críticos, como o caso do escritor Rui Castro, alvo de um pedido de investigação em janeiro.
Para a HRW, “as leis penais de difamação são incompatíveis com a obrigação de proteger a liberdade de expressão, segundo o direito internacional dos direitos humanos”.
A ONG mencionou que “o artigo 11.º da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2000, afirma que os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade”.
“As leis que punem expressões ofensivas contra funcionários públicos, geralmente conhecidas [na América Latina] como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação”, completou.
Para o diretor da divisão de Américas da Human Rights Watch, o Governo liderado pelo “Presidente Bolsonaro, um defensor declarado do regime militar brasileiro, está usando uma lei repressiva da ditadura para tentar intimidar e silenciar as pessoas que discordam dele”.
“O Congresso deveria fazer com que as leis do Brasil estejam em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos e deveria revogar os artigos 23.º, 26.º e outras disposições da Lei de Segurança Nacional que violam a liberdade de expressão”, concluiu Vivanco.
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