Luvo, a fervilhante fronteira entre Angola e a República Democrática do Congo

Já não tem a dinâmica de outros tempos, quando angolanos e congoleses se juntavam numa grande praça comercial a céu aberto, mas o Luvo continua a ser uma fronteira agitada com o atravessamento diário de centenas de pessoas, motas e camiões.

Luvo, a fervilhante fronteira entre Angola e a República Democrática do Congo

Entre Angola e a República Democrática do Congo (RDCongo), o posto fronteiriço localiza-se a 45 quilómetros da capital da província do Zaire, Mbanza Congo, mas é necessária quase uma hora para lá chegar devido ao mau estado da via com troços esburacados e de terra batida.

Por ali seguem, vergados sob o peso da mercadoria mal acondicionada, camiões cansados e em mau estado, alguns sem matrícula, que transportam bens e pessoas, tal como os kumpapatas (motociclo) de três rodas que seguem em direção à fronteira, na esperança de fazer algum negócio.

O vírus mpox impôs vigilância redobrada e um funcionário da saúde angolano pulveriza os veículos que cruzam a ponte sobre o rio Luvo, na esperança de travar o avanço do surto.

Soba Sebastião, secretário da Cruz Vermelha na comuna do Luvo, faz a higienização dos camiões com uma máquina portátil e uma mistura de detergentes “para travar a transmissão da doença”, mas não dispõe de estatísticas sobre o número de veículos que por ali atravessam.

Entram e saem muitos carros do Congo para Angola, diz, garantindo que a província do Zaire tem reforçado as medidas de prevenção para evitar a propagação da doença.

Mas, além do comércio visível, passam também ilegalmente na zona fronteiriça milhares de litros de combustível e outros bens que o governo provincial tem dificuldade em controlar e considerou “uma grande desgraça”.

Seguem por caminhos fiotes que lhes permitem driblar as autoridades angolanas, sem efetivos suficientes para vigiar a enorme fronteira de 310 quilómetros (terrestres e fluviais) que separam a província do Zaire da RDCongo, como explicou à Lusa um representante das autoridades que preferiu não ser identificado.

“Se houver rio usam cordas ou então abrem novas passagens”, disse, apontando os cães das brigadas cinotécnicas que ajudam a polícia a identificar na fronteira produtos transportados ilicitamente, conseguindo farejar droga, dinheiro e até medicamentos.

Do lado angolano, o mercado é agora um descampado poeirento onde será erguido o futuro posto aduaneiro, até que se escolha um local para construir a nova praça.

Encostadas à ponte que atravessa o rio Luvo, fronteira natural entre os dois países, meia dúzia de zungueiras (vendedoras de rua) aguardam passagem para irem vender as suas mercadorias no lado congolês, agastadas com a perda do seu sustento que as obriga agora a percorrer uma distância muito maior, com gastos adicionais associados à compra do passe de travessia.

Isabel Olinda, que carrega um alguidar com gasosas e pão doce, vendia na praça até “que a estragaram devido ao coronavírus” e vê-se obrigada agora a ir vender na RDCongo.

“No Congo”, confirmam as colegas queixando-se de ter de “pagar dinheiro” pelo “jeton” (passe) e esperar a autorização para fazer os seus negócios.

O descontentamento é partilhado por Gertridi, vendedora de kikuanga, especialidade de mandioca muito apreciada por angolanos e congoleses, que diz que a praça faz falta.

“Falta mesmo a nossa praça para vender aqui do nosso lado, na nossa praça estava a vender mesmo bem. Agora no Congo, bué de gastos mesmo para chegar na praça, é distante, estamos a sofrer mesmo”, salienta a vendedora contando que demora uma hora a pé para chegar ao local “com a carga na cabeça”.

“Não sabemos se vamos passar”, desabafa Isabel Olinda, explicando que o “negócio” (a mercadoria”) já seguiu para o mercado congolês transportado numa espécie de moto-táxi.

É também num veículo deste género que seguem Jean-Claude e os seus cinco filhos, de regresso a Kinshasa para o início do ano letivo, depois de virem passar as férias com familiares em Luanda.

Cada um pagou 30 dólares e seguem amontoados, por um caminho que lhes vai demorar seis ou sete horas, o que não parece incomodar o jovem e sorridente Nicolas, de 13 anos, que expressa a suas satisfação pelas férias no estrangeiro.

Por ali vão-se cruzando, como um formigueiro, camiões e as tais moto-táxis que saem de Angola carregados de produtos agrícolas e não só, e regressam vazios para adquirir mais mercadoria.

Há também quem venha a pé, como Teresa Domingos, que precisou de voltar a Angola para renovar o passe de travessia, válido por 72 horas, que a habilita a chegar até ao mercado congolês, onde vende cortinas.

Vinda de Luanda em busca de melhores condições de vida, diz que o mercado do outro lado “é precário” e prepara-se para esperar pacientemente junto do serviço de migrações onde o documento é emitido.

Junto da primeira cancela da fronteira — que funciona entre as 08:00 e as 17:30 — concentram-se armazéns grossistas e retalhistas que vendem todo o tipo de produtos, mas também igrejas, sendo a língua francesa e o lingala, a par do kikongo angolano, comummente usadas.

È também nessa zona que se encontra o edifício da administração, onde Manuel Milton recebe a Lusa e destaca a “mais valia” do comércio naquela região.

A comuna conta com 25 bairros onde vivem 13.700 habitantes de forma permanente, além da população flutuante, já que as famílias e os comerciantes se dividem pelos dois lados da fronteira, sendo a agricultura e o comércio as principais atividades económicas.

“O mercado está a fazer-nos falta”, admite o administrador, explicando que é necessário proceder a operações de desminagem no local previsto para a instalação da nova praça.

É o mercado que permite também dinamizar a atividade agrícola, já que a maior parte dos produtos sai de Angola em direção à RDCongo, sublinha o mesmo responsável, considerando que esta é uma oportunidade para a diversificação da economia angolana.

 

*** Raquel Rio (texto) e Ampe Rogério (fotos), da agência Lusa ***

RCR // JMC

By Impala News / Lusa

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