ONU lamenta indiferença do mundo face a violações dos direitos humanos cometidas pela Rússia na Ucrânia
O alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos lamentou hoje que o mundo, cansado face às multiplas crises atuais à escala global, pareça estar indiferente às contínuas “violações grosseiras do direito internacional” cometidas pela Rússia na Ucrânia.
“A situação na Ucrânia veio juntar-se a uma ladainha de sofrimento contínuo, e a atenção do mundo parece cansada pelas múltiplas crises que enfrentamos. Tenho pena dos ucranianos, que têm direito à paz e que a merecem, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional. Em vez disso, receio que um conflito prolongado e enraizado tenha impacto nas vidas e nos direitos humanos das gerações vindouras”, declarou Volker Türk.
Türk falava numa conferência de imprensa, em Genebra, de apresentação das conclusões do mais recente relatório do Alto Comissariado sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia, publicado há uma semana, e que abrange o período entre 01 de agosto e 30 de novembro, durante o qual a ONU documentou a morte de mais 2.440 civis.
Sublinhando que passaram já 662 dias desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia — em fevereiro próximo assinalam-se dois anos sobre o início do conflito , o alto-comissário apontou que o seu gabinete “continua a proceder a um controlo e documentação exaustivos” sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia , e “a documentação continua a indicar violações grosseiras do direito internacional em matéria de direitos humanos, violações graves do direito internacional humanitário e crimes de guerra, principalmente por parte das forças da Federação Russa”.
“Incluem 142 casos de execução sumária de civis desde fevereiro de 2022, em território controlado pelas forças armadas russas ou ocupado pela Federação da Rússia. Em território ocupado, documentámos tortura e maus-tratos generalizados de detidos, incluindo violência sexual, bem como um grande número de desaparecimentos forçados”, assinalou.
Dando conta de que, até 04 de dezembro, o seu gabinete “registou e confirmou mais de 10 mil mortes de civis resultantes do conflito desde fevereiro de 2022, incluindo mais de 560 crianças”, a que acrescem outros 18.500 civis confirmados como feridos, “muitos deles com gravidade”, Volker Türk advertiu que “o número real de vítimas é provavelmente substancialmente mais elevado”.
Segundo o responsável da ONU, o relatório revela que os quase 2.500 civis mortos ao longo dos últimos quatro meses do conflito até 30 de novembro foram vítimas de “armas explosivas com efeitos de área alargada, tais como projéteis de artilharia e foguetes, munições de fragmentação, e mísseis, bem como as chamadas munições de dispersão”.
“A maior parte destes civis foram mortos nas zonas de Donetsk, Kharkiv, Kherson e Zaporizhzhia, perto das linhas da frente de combate, e entre eles havia um número desproporcionado de pessoas idosas, que não queriam ou não podiam deslocar-se para um local mais seguro”, deplorou.
Observou que “foram também registadas baixas significativas devido a ataques com mísseis lançados pela Federação Russa contra alvos em zonas residenciais densamente povoadas, muitas vezes longe das linhas da frente”.
“Além disso, as minas e os explosivos remanescentes de guerra causaram mais de um milhar de vítimas civis desde fevereiro de 2022. Esta presença alargada de minas e material explosivo em vastas zonas da Ucrânia ameaça as vidas, os direitos e os meios de subsistência dos ucranianos, tanto a curto como a longo prazo”, alertou.
Entre as conclusões do relatório, salientou também que “mais de 1.300 estabelecimentos de ensino e de saúde foram danificados ou destruídos desde fevereiro de 2022” — mais de uma centena dos quais no período abrangido pelo presente relatório, resultando que, atualmente, “apenas metade das crianças na Ucrânia possam frequentar aulas presenciais todos os dias”.
Apontando que Moscovo continua a não permitir ao seu gabinete o acesso a qualquer local de detenção dos territórios ocupados, incluindo a Crimeia, o que impede uma contagem completa dos casos de detenção arbitrária e desaparecimento forçado, a ONU salienta, no entanto, que o seu gabinete já documentou desde o início da invasão de fevereiro de 2022 pelo menos uma centena de casos de civis mortos após terem sido detidos pelas autoridades russas.
Nos territórios ocupados pela Federação da Rússia, incluindo a Crimeia, documentámos padrões de, pelas forças armadas russas, de funcionários locais, jornalistas, ativistas da sociedade civil e outros civis. Entre eles contam-se numerosos activistas tártaros da Crimeia.
“Pelo menos 39 deles parecem ter sido torturados antes da sua morte. As práticas de tortura e outros tratamentos cruéis têm sido generalizadas nos locais de detenção nos territórios ocupados pela Rússia. Muitos dos casos de tortura que documentámos incluem violência sexual”, disse.
Volker Türk disse ainda que continua “profundamente preocupado com as potenciais ameaças à segurança da central nuclear de Zaporizhzhia, uma das maiores instalações nucleares da Europa, que continua a ser ocupada pelas forças russas”, advertindo que “o uso continuado de armas pesadas nas proximidades do local e os receios de uma má gestão dos seus complexos sistemas poderão resultar em danos catastróficos para os direitos humanos”.
“Exorto todos os Estados, especialmente os que têm influência, a apelarem a medidas imediatas e decisivas de ambas as partes – e, em particular, da Federação Russa – para garantir que o seu pessoal cumpra plenamente os direitos humanos internacionais e o direito humanitário internacional”, declarou.
Além de voltar a instar a Rússia a “permitir o acesso de observadores independentes e imparciais aos locais de detenção e a respeitar plenamente o direito humanitário internacional aplicável no território sob a sua ocupação”, o responsável da ONU solicitou também à Ucrânia que alinhe a sua “Lei sobre Atividades de Colaboração” com o direito internacional e abster-se de processar indivíduos por colaboração quando a sua cooperação com as autoridades de ocupação se enquadra no direito humanitário internacional.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou, de acordo com os mais recentes dados da ONU, a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa — justificada pelo Presidente russo com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.
ACC // APN
By Impala News / Lusa
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