Palestrantes estranham rapidez com que tribunal travou debate do pacote eleitoral em Luanda
Participantes no debate sobre o pacote legislativo eleitoral angolano que o Tribunal da Relação de Luanda inviabilizou consideraram “uma aberração o que aconteceu”, estranhando a celeridade para impedir o evento, promovido pela Ordem dos Advogados de Angola (OAA).

Em causa está um acórdão do Tribunal da Relação de Luanda para impedir a realização, pela OAA, de um “diálogo nacional sobre o pacote legislativo eleitoral”, agendado para hoje e que pretendia fomentar a reflexão, com diversos segmentos da sociedade civil, sobre as propostas que estão em apreciação na Assembleia Nacional.
Em declarações à agência Lusa, a pesquisadora angolana Cesaltina Abreu criticou a “pequenez” e “mediocridade” do impedimento, salientando que o debate organizado numa academia “é o espaço ideal” para a realização de encontros em que se discute a vida quotidiana dos cidadãos.
A investigadora destacou a rapidez com que foi decidida a providência cautelar, que “certamente vai entrar na história jurídica deste país”, questionando a urgência e a necessidade de impedir que cidadãos dialoguem “sobre algo que é fundamental para a vida na sociedade”.
O Tribunal da Relação de Luanda deu razão a um grupo de advogados que interpôs uma providência cautelar contra a iniciativa da OAA, alegando que esta entidade não tem competências para promover um evento desta natureza.
Para a pesquisadora, “houve uma urgência muito grande em travar esta iniciativa” e considerou que se está perante “mais uma demonstração de força, de intimidação”.
“Pior do que isto tudo é o facto de, no final do acórdão do Tribunal da Relação de Luanda, se aconselhar a fazer o uso da força para garantir o impedimento para a realização do evento”, apontou.
Também o ativista angolano Luaty Beirão considerou “uma aberração o que aconteceu”, chamando a atenção para “a celeridade com que se deu tratamento” ao assunto, o que não acontece em outras situações.
“A surpresa é que o tribunal só funciona assim quando é para coartar, neste caso, liberdades (…). É incrível, porque qualquer outra decisão de um tribunal angolano, para qualquer outra coisa que seja movida por iniciativa diferente daquelas que são interesses de quem se apoderou do Estado angolano, ou não têm resposta ou levam meses, anos, para ser respondida”, frisou.
Luaty Beirão considerou que a medida é “um lembrete” de que os angolanos “vivem numa fantasia”, e que diariamente são “convidados a aceitar esta fantasia como realidade”.
“Espanta-me que as pessoas ainda se espantem com decisões e atitudes deste tipo por parte de um regime que já demonstrou, vezes sem conta, ao longo dos anos, que é tudo menos democrata”, salientou.
De acordo com Luaty Beirão, as leis são usadas “a seu bel-prazer” e os cidadãos “são obrigados a fazer o papel de democratas”, porque a vontade dos angolanos “é que a democracia venha um dia a existir”.
O ativista realçou ser “escandaloso” que as autoridades “cheguem ao ponto de fazer esta manobra usando instituições, usando a justiça, para impedir uma atividade cívica, promovida pela ordem” dos advogados.
“Mas, ao mesmo tempo, ainda bem que aconteceu, porque é importante que toda a gente seja sacudida dessa fantasia e comece a perceber qual é o real desafio que nós temos neste país, nós andamos a brincar à democracia”, afirmou.
O ativista angolano, que em 2015 chegou a ser condenado num julgamento por alegados atos preparatórios de rebelião, conhecido como os 15+2, considerou ainda que quem está no poder “não está preocupado com a mensagem que transmite à sociedade” com esta ação, tendo apenas a “mínima preocupação de manter as aparências para fora”.
“Domesticamente eles estão pouco se importando com o que qualquer pessoa, entidade, grupo, pense deles”, disse Luaty Beirão, citando o episódio recente de proibição da entrada no país de personalidades que vinham participar numa conferência internacional.
NME // MLL
By Impala News / Lusa
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