Pequenos engraxadores angolanos batalham pelo pão para sustentar avó
Abandonados pelos pais, os irmãos Kilson e Géu, de 12 e 13 anos, engraxam sapatos em Luanda para sustentar a avó de 90 anos, sem tempo nem meios para viverem as alegrias de junho, o mês das crianças.
Engraxar sapatos ou catar lixo em contentores são atividades onde estão mergulhadas centenas de “candengues” (crianças) em idade escolar que deambulam em pequenos grupos pelas ruas da capital angolana.
A fome empurra-os desde as primeiras horas do dia para as calçadas e passeios frente a restaurantes e instituições públicas, mercados ou paragens de táxi, onde diariamente amealham entre 500 kwanzas e 2.500 kwanzas (entre 54 cêntimos e 2,7 euros) para o jantar em casa.
Debaixo da ponte pedonal azul do município de Cacuaco, um dos mais pobres e populosos de Luanda, a Lusa encontrou os irmãos Francisco António Gamboa “Kilson”, de 12 anos, e José António Gamboa “Géu”, 13 anos, agachados e munidos da respetiva caixa de engraxador, trabalhando todos os dias para sustentar a avó de 90 anos.
“Aqui consigo entre 500 kwanzas (0,5 cêntimos) e 1.500 kwanzas (1,5 euros) por dia, parte do dinheiro é para a comida e outra parte guardo”, disse à Lusa o pequeno engraxador Kilson, como é conhecido pelos amigos, com cara sonolenta.
Com os últimos dois dos seus 12 anos dedicados à “graxa”, Kilson disse que madruga todos os dias para fazer uma caminhada de 11 quilómetros para trabalhar e evitar que a família passe fome.
O mês da criança significa “muita alegria”, mas “não estou feliz por trabalhar na rua”, lamentou o rapaz, tímido e de rosto triste, que sonha ser pedreiro.
José António Gamboa “Géu”, 13 anos, é irmão de Kilson e trabalha também como engraxador, lamentando o facto de não poder frequentar a escola.
Descalço e com calções rotos, Géu, que há um ano garante o brilho do calçado dos transeuntes da vila de Cacuaco, sabe que junho é um mês dedicado às crianças, mas nem todas podem celebrar.
“Neste mês os pais passeiam com os seus filhos, mas eu não (…). Neste momento estaria a me preparar para ir à escola, mas estou aqui, quero falar [apelar] ao Governo para nos ajudar e ajudar a minha avó, porque ela está a sofrer”, pede aos repórteres da Lusa.
No meio dos manos Kilson e Géu, o colega de ofício António da Conceição, 13 anos, residente no distrito urbano do Sequele, disse engraxar sapatos para ajudar a mãe a comprar o jantar para casa.
António, que não frequenta escola por falta de possibilidades da mãe, disse que consegue diariamente entre 1.500 e 2.000 kwanzas, que tenta também poupar para poder ir à escola.
De chinelos gastos e mochila às costas, levando a caixa de engraxador na mão direita, António Feliciano, 12 anos, caminhava pela avenida Ho Chi Minh, para mais um dia de jornada, após sair do bairro Malanjinho, onde reside.
“Aqui posso ganhar 2.000 kwanzas por dia, não estudo, vivo com a mãe, ela não tem dinheiro para me meter na escola, com o dinheiro que consigo compro roupas”, afirmou Feliciano, engraxador há um ano, confessando que anseia frequentar a escola para ser polícia.
O pequeno dirigiu-se também ao Presidente angolano: “Quero dizer ao João Lourenço para ajudar aquelas crianças que estão na rua para irem à escola”, apelou.
Frente à sede da poderosa Sonangol, a petrolífera estatal que é um dos motores da economia angolana, no centro de Luanda, está João Adelino Augusto, de 16 anos.
São 11:30 e afadiga-se, debruçado sobre a caixinha de engraxador, para garantir o brilho do quinto cliente do dia.
“Por dia consigo levar alguma coisa para ajudar em casa para o jantar”, garantiu à Lusa.
Próximo dali, Samuel Álvaro Paulo, 17 anos, está na sua missão diária de “catar” metal e papel em contentores do lixo.
Desde há dois anos que faz morada num dos passeios da Rua Rainha Ginga, na baixa de Luanda, onde estão instalados três contentores.
Com um rendimento diário que varia entre os 1.000 e os 1.500 kwanzas, Samuel, que vive com a irmã, disse que é do lixo que vem o seu sustento, lamentando o facto de ter desistido do sonho de jogador, devido às dificuldades do país.
“Eu sonhava ser jogador, mas desisti porque o país está “gato” (gíria angolana para retratar situações difíceis), disse à Lusa, acrescentando, com esperança: “vamos ver para frente o que a vida vai nos oferecer”.
O Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil assinala-se quarta-feira, 12 de junho, quando, para muitas crianças angolanas, o trabalho significa travar uma luta contra a fome.
*** Domingos da Silva (texto) e Ampe Rogério (fotos), da agência Lusa ***
DYAS // MLL
By Impala News / Lusa
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