A queda do Governo francês e os três cenários que seguem

Existem três possibilidades para o que se segue à queda do Governo francês. Nenhuma será fácil ou duradoura, mas “as suas instituições e cultura sustentarão o sistema político”. “A Democracia francesa é forte”, considera Romain Fathi.

A queda do Governo francês e os três cenários que seguem

A queda do Governo francês, minoritário e liderado pelo primeiro-ministro de direita Michel Barnier, deu-se após a moção de censura desta quarta-feira, 4 de dezembro, “o mais recente choque no impasse do sistema político do país em seis turbulentos meses”.

A moção foi apoiada por uma coligação improvável – mas considerável – de deputados franceses de extrema esquerda, esquerda e extrema direita. A medida chega depois de um desafio do governo Barnier à câmara baixa francesa, a Assembleia Nacional. Como a Assembleia Nacional não apoiaria o orçamento proposto por Barnier para 2025, o primeiro-ministro “usou os poderes executivos para aprovar a medida sem uma votação parlamentar”, aponta Romain Fathi, professor na Escola de História e investigador do Centro de História de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Austrália.

Em resposta, os dois maiores grupos políticos na assembleia, a Nova Frente Popular (esquerda e extrema esquerda) e o Rally Nacional (extrema direita), propuseram a moção de censura. Os dois blocos representam a maioria dos 577 parlamentares na assembleia e obtiveram “com facilidade votos suficientes para derrubar o Governo”.

A última moção de censura bem-sucedida acontecera há 62 anos. Agora, Emmanuel Macron “deve considerar o mais recente desafio à sua liderança sitiada: nomear um novo primeiro-ministro que, por sua vez, nomeará um novo gabinete”, diz Fathi. Embora a extrema esquerda e a extrema direita “gostassem de ver Macron renunciar“, nada “até agora indica que o fará”. E não deve portanto enfrentar a reeleição antes de 2027.

Por que caiu agora o Governo francês?

O governo Barnier foi nomeado por Macron há três meses, “com base num cálculo rigoroso após uma eleição parlamentar antecipada”. Macron desencadeou as eleições antecipadas de junho e julho “numa tentativa de fortalecer a sua frágil maioria na assembleia”. Mas, em vez de consegui-lo, perdeu a sua maioria e “viu-se numa nova legislatura ainda mais dividida do que a anterior”.

Ainda que a aliança de partidos de esquerda Nova Frente Popular tenha ficado em primeiro lugar, não conseguiu deputados suficientes para manter a maioria e formar Governo. O partido de extrema direita de Marine Le Pen, o Rally Nacional, que obteve o segundo maior número de assentos, ficou igualmente aquém da possibilidade de formar Governo.

Na tentativa de resolver a situação, Macron uniu partidos políticos do centro e da direita moderada para nomear Barnier, “atitude que desanimou um número significativo de eleitores franceses, que apoiavam a esquerda ou a extrema direita”.

O governo de Barnier foi, portanto, “sempre foi frágil e a sua queda foi sempre muito provável” e, talvez por isso, o seu governo tenha caído logo “no primeiro grande obstáculo legislativo: aprovar o orçamento do ano que vem”, considera Romain Fathi.

O que pode acontecer a seguir

De acordo com a Constituição francesa, a Assembleia Nacional não pode ser dissolvida até julho de 2025, o que significa que o cenário político da França “permanecerá precário até essa altura”.

Por enquanto, Barnier manter-se-á numa posição interina até que Macron nomeie um novo primeiro-ministro, “com base numa nova coligação”. “Isto pode levar dias, semanas ou até meses. É difícil formar coligações em França porque os partidos políticos são mais inclinados a serem sectários do que cooperativos.” Apresentam-se, então, “dois cenários”, “​havendo ainda um terceiro possível”.

Primeiro, Macron “poderia tentar juntar uma nova maioria para apoiar os seus parlamentares centristas e a sua agenda política”. Para fazê-lo, contudo, teria “de apelar a deputados da direita tradicional e conservadora e do centro-esquerdo em simultâneo”, nomeando eventualmente um primeiro-ministro desta possível coligação “como moeda de troca”.

Os deputados moderados de esquerda de que Macron precisa, no entanto, “dificilmente o apoiarão”. “Têm mais a ganhar se permanecerem com a Nova Frente Popular – composta por partidos de esquerda (Verdes, Socialistas, Democratas e outros) que poderiam “implementar uma agenda de reformas de esquerda real, se encontrassem forma de trabalharem juntos”.

Esta possibilidade “leva-nos ao segundo cenário possível: um novo Governo maioritário de esquerda”. A Nova Frente Popular tem o maior número de parlamentares na Assembleia Nacional, “mas não tem ainda os números para formar um Governo maioritário”. Se quiser formá-lo, “terá de garantir deputados do centro – cenário igualmente improvável”. Uma coligação tão heterogénea “estaria em constantes negociações sobre projetos de lei”.

O terceiro cenário – “possível, mas mais complicado” – seria Macron “renomear o ‘falecido’ Barnier, sob a condição de que alterasse o projeto de lei orçamental para apaziguar a oposição e evitar outra moção de censura”. “Não importa o que aconteça a seguir, uma coisa é certa: o próximo Governo terá muito provavelmente vida curta”.

“França pode inclusive ver vários governos caírem até às próximas eleições para a Assembleia Nacional, que não podem ser agendadas antes de julho de 2025, no mínimo. Ainda assim, uma nova eleição pode não resolver o profundo cisma formado na sociedade francesa desde a eleição de Macron, em 2017.”

Entre 1947 e 1958, França teve mais de 20 governos. O sistema político do país sobreviveu, mas “atravessou um período de considerável tumulto”. O período que se seguiu foi, no entanto, “relativamente estável, com governos fortes e maioritários”.

Embora França esteja a passar de momento por uma instabilidade governamental renovada, “as suas instituições e cultura sustentarão o seu sistema político”. “A Democracia francesa é forte”, considera Romain Fathi.

O orçamento para 2025

Por enquanto, o orçamento de 2025 “é uma questão secundária”. “Não haverá paralisação do Governo ao estilo norte-americano, já que França opera de forma diferente: usará o orçamento de 2024 até que um novo Governo esteja em vigor.” Como membro da União Europeia, contudo, a França deveria ter “um deficit orçamental anual abaixo de 3% – que é, no entanto, superior a 5%”.

O próximo Governo, “independentemente de qualquer que ele seja”, enfrentará “enorme pressão para reduzir o deficit, que disparou desde a pandemia”. O país enfrenta também “outros desafios económicos, incluindo queda na confiança do consumidor e crescimento mais lento”.

“França enfrentará igualmente taxas de juro ligeiramente mais altas quando acorrer aos mercados financeiros para financiar a dívida nacional.” Isto significa que “mais dinheiro dos contribuintes será direcionado para o refinanciamento da dívida, em vez de ser usado para o que os franceses consideram prioridades: a crise do custo de vida, Saúde, Educação, Polícia e outros serviços essenciais”, assinala Romain Fathi, professor na Escola de História e investigador do Centro de História de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Austrália.

The Conversation

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