Quem se refugiu em Nampula não quer recordar o terror

A entrada de rebeldes no extremo norte de Nampula acordou fantasmas de um passado de terror entre os deslocados oriundos de Cabo Delgado que ali se refugiaram e que esperam que estes ataques sejam os últimos de que ouvem falar.

Quem se refugiu em Nampula não quer recordar o terror

“Sinto receio porque já os vi [em Cabo Delgado] queimarem casas e matarem”, conta Francisco Barnabé, de 48 anos, no centro de realojamento de Corrane, a 60 quilómetros da capital provincial de Nampula, no norte de Moçambique.

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Natural de Mocímboa da Praia, Francisco Barnabé está desde 2020 entre as oito mil pessoas que fugiram ao terror e que hoje tentam reconstruir as vidas. Mas as incursões rebeldes registadas recentemente contra os distritos de Eráti e Memba levantam novas preocupações. Embora tenho ocorrido a mais de 100 quilómetros do posto administrativo onde está instalado o centro de realojamento de Corrane, mostra um movimento para sul, mais perto dos deslocados. “Temos medo porque ouvimos as histórias que outros deslocados nos contam”, admite o jovem Albertino Malieque.

Até agora, os distritos afetados por estas incursões rebeldes estão nas margens do rio Lúrio, a fronteira natural entre Nampula e Cabo Delgado. À semelhança do que fizeram durante anos em Cabo Delgado, os rebeldes destruíram infraestruturas, habitações e mataram um número até agora desconhecido de pessoas, incluindo uma freira italiana assassinada durante um ataque à missão católica em Chipende.

“Algumas pessoas que estão no centro de realojamento aqui em Nampula já estão a voltar para as suas zonas de origem”, porque “têm estado a passar fome, mas também têm algum medo das notícias do ataque a Memba”, explicou João Luís Matias, secretário de um dos três bairros que compõe a comunidade de deslocados em Corrane

Às portas do centro, já existem pessoas que, levando o que podem, procuram por transporte para voltar para Cabo Delgado – onde uma intervenção militar teta devolver esperança na estabilização –, mas também há quem prefira continuar a viver nesta nova comunidade, longe do local onde presenciou “barbaridades”.

“Ouvi que Nampula também está a registar ataques, mas não vou sair daqui só pelo que ouvi dizer. Eu saí de Cabo Delgado porque vi os ataques”, declara à Lusa, Augusto Samuel, 44 anos, camponês que deixou Mocímboa da Praia em 2020. “Eu não vou voltar para Cabo Delgado porque Nampula também é Moçambique. Não estou perdido aqui”, esclarece Safe João, outro deslocado oriundo de Mocímboa e que vive em Corrane há dois anos.

De acordo com dados preliminares avançados pelo Governo de Nampula, só no distrito de Eráti, as novas incursões provocaram perto de 10 mil deslocados. A província já recebia pessoas de Cabo Delgado que procuram refúgio desde o início da insurgência armada no Norte de Moçambique.

A situação é descrita como estável em Nampula, com as Forças de Defesa e Segurança em “desdobramento intensivo” para travar os rebeldes, segundo disse o secretário de Estado provincial, Mety Gondola, em entrevista à Lusa na segunda-feira. A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por violência armada, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

A insurgência levou a uma resposta militar desde há um ano por forças do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás. Há cerca de 800 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

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