Relatório defende mudança de percepções para facilitar reformas sobre drogas
Perceções erradas sobre o consumo de drogas alimentam políticas de proibição e repressão. Portugal é considerado um exemplo positivo.
Perceções erradas sobre o consumo de drogas alimentam políticas de proibição e repressão que continuam sem resolver o problema, alerta um relatório internacional publicado hoje em Londres, em que Portugal é considerado um exemplo positivo.
O relatório “The World Drug Perception Problem” [O Problema Global da Perceção das Drogas], produzido pela Comissão Global sobre Política de Drogas, pretende desmistificar juízos feitos sobre o tema por jornalistas e líderes de opinião, políticos ou pelas autoridades.
A Comissão é composta por 25 membros com experiência como líderes políticos, científicos e empresariais, incluindo 12 ex-chefes de estado ou ministros, um ex-secretário-geral da ONU e três Prémio Nobel.
Embora reconheça o impacto negativo que o consumo de drogas pode ter na vida das pessoas, considera que as reformas das políticas têm sido difíceis de realizar, projetar ou implementar devido aos preconceitos e valores morais prevalecentes.
O documento procura analisar as perceções e medos mais comuns, confrontá-los com factos disponível sobre drogas e sobre as pessoas que as consomem e, consequentemente, recomendar mudanças que podem ser promulgadas para apoiar reformas para políticas de drogas mais efetivas.
O caso português é referido a propósito da introdução da lei em 2001 que descriminalizou a posse para consumo pessoal de drogas e promoveu medidas para a sensibilização dos consumidores, contribuindo para a redução da criminalidade e de casos de VIH entre toxicodependentes.
“A política de drogas mudou quando os líderes políticos e a sociedade civil desafiaram a ideia de que o consumo de drogas era mau e que deveria ser sempre condenado”, lê-se.
A instituição de uma comissão científica, a Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga, para aconselhar o governo sobre a matéria, abriu caminho à mudança de mentalidades em Portugal sobre a toxicodependência.
“Isto tornou possível a descriminalização das drogas que produziu resultados positivos em geral, e que proporciona um modelo útil para outros líderes”, refere.
No relatório, são feitas seis recomendações, nomeadamente que os políticos, líderes de opinião e religiosos e comunicação social devem evitar perpetuar a perceção negativa sobre as drogas e os seus consumidores, evitando discursos discriminativos e ou em desinformação.
Sugere também que agentes de autoridade e sistema judiciário devem concentrar-se no “papel social da aplicação da lei” e não na intimidação dos consumidores, defende maior ênfase na prevenção, tratamento e redução de efeitos da droga.
Outra questão é a linguagem muitas vezes “degradante e prejudicial” usada em documentos internacionais e oficiais sobre as drogas, que a Comissão propõe ser revista, nomeadamente durante o encontro de ministros da Comissão de Estupefacientes das Nações Unidas, em 2019.
A antiga presidente da Suíça Ruth Dreifuss defende no prefácio do documento que “todos os membros da sociedade devem exigir ser informados sobre os custos reais das políticas para as drogas e como elas afetam as vidas, comunidades e economia”.
A atual presidente da Comissão defende a contraposição de preconceitos com factos, acrescentando: “Encorajamos uma mudança de atitudes, de linguagem e da forma como as pessoas que consomem drogas são tratadas. É urgente quebrar o ciclo vicioso que prejudica as pessoas e a sociedade”.
A Comissão Global de Política de Drogas foi criada em 2011 com o objetivo de promover um debate sobre o modelo internacional de regulação das drogas e a respetiva legislação, considerada repressiva, bem como sobre as reformas necessárias para superar as consequências negativas da proibição.
As consequências incluem: disseminação de doenças infecciosas, mortes por overdose e o consumo de substâncias adulteradas, violência associada à repressão e as guerras entre gangues, corrupção, falta de tratamento adequado pelo consumo de drogas, prisões sobrelotadas e falta de integração social para pessoas com antecedentes criminais relacionados com drogas, incluindo consumidores e intervenientes não-violentos envolvidos na produção ilegal ou venda de drogas.
O antigo presidente de Timor Leste José Ramos Horta juntou-se em novembro ao grupo, que inclui, entre outros, os antigos presidentes de Portugal e do Brasil Jorge Sampaio e Fernando Henrique Cardoso, o empresário Richard Branson, o antigo vice-primeiro-ministro britânico Nick Clegg, o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan ou o escritor Mario Vargas Llosa.
Nos seis relatórios anteriores, abordou questões como o impacto das políticas atuais nas pessoas e o seu insucesso em reduzir a produção e o consumo de drogas ilegais e em travar organizações criminosas.
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