Alunas costuram para vencer tabu da menstruação em Moçambique
Ester João, 14 anos, perdeu 198 aulas, quase um terço do ano letivo 2019/20, por conta do tabu em torno da menstruação, que a impedia, entre outras coisas, de ir à escola no centro de Moçambique.
De uma família humilde, a adolescente, sem capacidade financeira para adquirir pensos convencionais, recorria durante o período da menstruação a trapos que a mãe rasgava dos vestidos para a filha usar como pensos. Artigos de higiene íntima são caros e inacessíveis, sobretudo em zonas rurais como é a aldeia de Buzua, interior norte de Manica. Mas os trapos de pouco serviam e as alunas são motivo de troça, estigma e isolamento na escola e na comunidade, como as próprias relatam.
“Esperava o período acabar para poder ir à escola”, diz Ester João, só que a espera custou-lhe a repetição do oitavo ano por excesso de faltas. Segundo vários tabus – mudam de região para região – a rapariga no estado menstrual não pode frequentar lugares públicos ou sequer encostar-se a colegas que não estejam na sua condição. A mulher não pode colocar sal nas refeições e nalguns locais nem pode confecioná-las, para não causar hérnias aos homens.
Outra crença é de que o sangue menstrual, além de ser usado para rituais satânicos, quando é visto por homens pode tirar à mulher a faculdade de engravidar ou ter marido, que é tido como a principal razão para retração das adolescentes nas escolas durante a menstruação. Em média, por ano, 50 alunas em idade menstrual não terminavam o ano letivo no distrito de Tambara até 2019, número geralmente associado a fragilidades económicas das famílias, que não conseguiam ter trapos suficientes – depois de usados eram enterrados – ou comprar pensos descartáveis para cobrir o ano letivo.
“O número de raparigas que não assistiam às aulas no período menstrual era muito maior” diz Samisson Cumbuia, diretor distrital de Educação, Juventude e Tecnologia de Tambara. Uma iniciativa da organização não governamental Save The Children internacional está a tentar resolver o problema. Consiste na produção de pensos reutilizáveis, feitos à base de capulana – tecido tradicional africano –, toalhas de banho e costurados manualmente com agulha e linha.
“Queremos reduzir os eventos que colocam as meninas fora do sistema de educação”, diz Ana Dulce Guizado, diretora da organização não-governamental (ONG) Save The Children em Manica. O programa ensina as raparigas a costurar os seus próprios pensos, com a ajuda de tutoras e enfermeiras que falam sobre a higienização e ensinam a produção de pensos a outras raparigas das suas aldeias.
Em dois anos, o programa, que se estende até 2023, conseguiu ensinar a costurar e reter 1.947 raparigas dos 12 aos 24 anos nos quatro distritos de implementação: Manica, Macossa, Machaze e Tambara.
“As pessoas não têm dinheiro para adquirir [pensos convencionais] e são poucas as lojas que têm este tipo de produto” diz Julieta Dzingua, diretora distrital da Saúde. Lúcia Beca, 55 anos, faz uma demonstração do uso dos pensos tradicionais em mais uma sessão onde novas raparigas vão aprender a costurá-los. A matrona tutora tem a missão de desmistificar o “tabu” em torno da menstruação, acompanhada de uma enfermeira.
Rosalina Sérgio dá o exemplo: está no seu segundo ano menstrual e nunca precisou de faltar à escola desde que passou a utilizar os pensos reutilizáveis. Outros desafios permanecem, refere Ana Dulce Guizado, como a dificuldade de algumas famílias até para ter material com que costurar, mas o projeto tenta dar resposta e levar matéria-prima até esses agregados familiares.
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