Isabel foi drogada, sequestrada e mantida num bunker subterrâneo

Durante anos, Isabel, de 39 anos, tinha pavor de frigoríficos. O zumbido e o ligar e desligar causavam-lhe ataques de pânico. Era afinal o único som que a acompanhou enquanto esteve sequestrada e mantida num bunker subterrâneo.

Durante anos, Isabel Eriksson, de 39 anos, não conseguiu ter um frigorífico em casa. Sentia pavor. O zumbido que ele fazem ao ligar e desligar causavam-lhe ataques de pânico e evitava-os também na casas de outras pessoas. Como vivia no clima frio da Suécia, Isabel mantinha a comida do lado de fora, para mantê-los conservados. O pânico devia-se ao facto de ter sido o único som que a acompanhou enquanto esteve sequestrada e mantida num bunker subterrâneo. Agora, conta toda a história na nova série documental The Bunker, da plataforma de streaming Viaplay.

Como Isabel Eriksson foi drogada, sequestrada e mantida num bunker subterrâneo

“Quem diria que uma pessoa poderia ter tanta escuridão dentro de si?” Isabel contou à imprensa – por Zoom, a partir de um local secreto – que fala sob pseudónimo e que teme, compreensivelmente, dar detalhes sobre a sua atual vida. “Eu não conhecia aquele homem muito bem, mas ele confiável. Era médico… Ninguém pensaria que pudesse fazer algo assim.”

Isabel convidou o Martin Trenneborg para o seu apartamento para um encontro, em setembro de 2015. Recordando aquela noite, diz que “ele chegou com presentes; um frasco de perfume e pequenas flores brancas e rosas”. “Disse-me que ele mesmo as colheu, o que eu achei fofo. Tudo parecia muito bom e ele parecia normal. Mas havia uma coisa em que notei – tinha um olhar muito intenso, de uma forma que nunca tinha sentido antes.”

“Olhos de psicopata, foi a descrição que me veio à mente, mas afastei esse sentimento porque achei que ele era atencioso.” Trenneborg, contudo não era nada do que parecia e mais tarde acabou apelidado de “Fritzl sueco”, em comparação com o caso do austríaco Josef Fritzl, que manteve a filha trancada num porão durante 24 anos. Sem o conhecimento de Isabel, alguns dos morangos cobertos de chocolate estavam misturados com rohypnol, secretamente marcados para que soubesse quais comer.

Martin Trenneborg, o ‘Josef Fritzl sueco’

Isabel foi drogada, sequestrada e mantida num bunker subterrâneo
Martin Trenneborg ficou conhecido como o ‘Josef Fritzl sueco’ [Reprodução Viaplay]
Isabel começou a sentir tonturas e desmaiou. Quando acordou, estava a 560 quilómetros de casa, sem ideia de onde estava. Toda a provação de Isabel é relatada na primeira pessoa em The Bunker, documentário disponível na Amazon Prime. A olhar para a câmara, Isabel começa por recordar o momento em que acordou no bunker. “Sinto-me atordoada. A minha boca está seca e abro os olhos lentamente. Olho para o teto. Cheira mal. Não sei que dia é ou que horas são. Percebo que não sei onde estou. Estou deitada sob um cobertor vestida com jeans e uma suéter rosa. O meu corpo parece lento e dói quando me viro. Não conseguia sentir cuecas sob os meus jeans e tenho frio.”

Isabel também sentiu uma queimadura no braço. Quando olhou para baixo, viu uma cânula. Enquanto a arrancava, ouviu uma voz: “Teria sido melhor se tivesse sido eu a tirar isso. Afinal, sou médico.” Trenneborg também estava na sala, sentado numa cadeira, a observá-la. Isabel desmaiou de novo. Quando recuperou a consciência, a sua cadelinha poodle, Nellie, estava ao lado dela, a lamber-lhe o rosto. Tentou descobrir onde estava e como tinha chegado ali. Numa cama, num quarto recém-construído com um frigorífico, reparou numa bancada de cozinha, algumas cadeiras, paredes de gesso e sem qualquer janela. O espaço “estava sujo e empoeirado e lâmpadas fluorescentes zumbiam” acima dela. “Cheirava a estagnado.”

O lugar era “silencioso” e depressa percebeu que não existia “nenhum som de natureza ou de vida humana”. “Tudo o que conseguia ouvir era o zumbido do frigorífico, a ligar e a desligar, em intervalos. Trenneborg entrou na sala, depois de passar “por três portas trancadas com chaves e fechaduras de código”. Isabel tentou “atacá-lo e escapar”, mas ele dominou-a facilmente e avisou-a para não voltar a fazê-lo. Mais tarde, trouxe-lhe “uma sandes e disse-me que pintaria as paredes do bunker” da cor que ela quisesse. Apavorada, Isabel tentou ser obediente.

“Deu-me três livros para ler, sobre mulheres violadas e assassinadas

Isabel foi drogada, sequestrada e mantida num bunker subterrâneo
Trenneborg fez-lhe “exames e testes vaginais”, assegurando que eram “para que pudessem fazer sexo desprotegido” [Reprodução Viaplay]
“Deu-e três livros para ler, sobre mulheres que foram violadas e assassinadas”, conta no documentário. “Não sabia como interpretar. “Mostrou-me uma sala no bunker e disse-me que era uma câmara de tortura. Não tinha como saber se construiria realmente uma câmara de tortura, como me disse, ou se era apenas algum tipo de jogo doentio para me assustar.”

Trenneborg fez-lhe exames e testes vaginais, assegurando-lhe que eram “para que pudessem fazer sexo desprotegido”. Isabel não tinha ideia se era dia ou noite ou quantas horas ou dias se tinham passado. Enquanto Trenneborg trabalhava num centro médico próximo, Isabel passava o tempo a andar de um lado para o outro na sala. “Fazia abdominais e flexões, tentava manter o corpo e a mente fortes” para “trabalhar na fuga”. A única coisa que a acalmava era “cuidar de Nellie”, a cadelinha.

Numa ocasião, Trenneborg levou-a, algemada, até casa dele, para que tomasse banho, e deixou-a entrar num pequeno pátio de exercícios. Foi então que ela percebeu que ele tinha construído a pequena prisão ao lado de casa numa área arborizada isolada. Enquanto regressavam ao bunker, o coração de Isabel “afundou”. “A entrada parecia os ‘portões do inferno'”, recorda Isabel. Trenneborg disse-lhe que a manteria ali “alguns anos”. “Não sei o que ele planeou para mim depois disso. Assassinar-me e enterrar-me na floresta?”

Entretanto em Estocolmo, uma amiga que não conseguiu encontrá-la contactou a mãe de Isabel, que ligou à Polícia. Visitaram a casa de Isabel, isolaram-na, trancaram e iniciaram uma investigação. No quarto dia de prisão, Trenneborg obrigou Isabel cozinhar para ele. Sentaram-se juntos enquanto ele lhe contava como tinha sido o seu dia, simulando um relacionamento normal. Ela obedeceu, tentou mantê-lo tranquilo para sentir-se segura enquanto planeava desesperadamente a fuga. No quinto dia, porém, Trenneborg chegou com uma arma na mão.

“A princípio, achei que iria disparar sobre mim. Talvez porque alguém o tivesse descoberto. Em vez disso, colocou a arma na boca, mas não ousou puxar o gatilho. Passou-me a arma para as mãos. Eu nunca tinha segurado numa. Disse-me ‘as portas estão destrancadas’. Só tinha de atirar e estava livre”, conta no documentário. Não o fez. Perguntou se se travava de um teste. Além disso, se o abatesse, morreria confinada entre aqueles muros de cimento. “Ele era o único que sabia que eu estava ali. Ninguém me encontraria. Foi horrível. As minhas mãos tremiam. Ainda que aquela fosse a minha oportunidade de fuga, não ousei. Chorei e devolvi-lhe a arma.”

No dia seguinte, Trenneborg regressou como se nada tivesse acontecido. Disse que se tinha se apaixonado por ela e Isabel alinhou com a farsa e pediu-lhe quem fossem a casa dela buscar mais roupas. “Por milagre, ele concordou.” Fizeram a longa viagem desde Kristianstad, no sul da Suécia, até Estocolmo, mas, ao chegarem, encontraram a casa trancada e selada com fita da polícia. Descaradamente, Trenneborg Isabel para a esquadra local, onde fingiram que ela irritada ao descobrir que tinha a casa estava sob investigação.

A sorte de Isabel mudou quando um agente a levou para uma sala de interrogatório – foi ali que ela explicou desesperadamente o que se passava. Quatro outros agentes prenderam Trenneborg e, seis dias depois de sequestrada e mantida num bunker, Isabel estava livre. O trauma mudou quem ela era como pessoa. Teve uma infância feliz, em casa, na natureza. Após o sequestro, no entanto, retraiu-se, isolou-se e lutou seriamente com a sua saúde mental.

Dissociou da realidade e lutou para voltar a confiar nas pessoas. Hoje, vive com um nome diferente num local não identificado. Trenneborg foi preso dez anos, em 2016, até que Isabel recebeu uma carta a explicar que seu captor havia sido libertado em agosto de 2023.

Imagens reproduzidas da plataforma de streaming Viaplay

Impala Instagram


RELACIONADOS