Governos ocidentais mantêm apoio a Kiev mas população distancia-se
Os países ocidentais deverão manter o seu apoio a Kiev contra a invasão russa, mas suas populações estão perder o interesse no conflito devido principalmente ao resultado das sanções à Rússia, de acordo com especialistas.
“O Ocidente tem apoiado, e bem, a Ucrânia e penso que vai continuar a apoiar Kiev politicamente e militarmente”, declarou Francisco Proença Garcia, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. “Os ucranianos estão a lutar e a defender os nossos valores e a identidade europeia. Isso é muito importante e devemos lembrar isso às nossas populações. Só resta saber se as nossas populações serão resilientes o suficiente para aguentar uma guerra prolongada”, sublinhou Proença Garcia.
De acordo com o professor da Universidade Católica, “as nossas sociedades têm de se manter coesas e pensar que serão necessários sacrifícios. Custa-nos a todos, mas temos de fazê-los porque são a nossa liberdade, o nosso sistema democrático e o nosso sistema de crenças e de vida que estão em causa”. “Com o problema das sanções [à Rússia], as nossas populações – nomeadamente em países mais pequenos, como é o caso de Portugal – ao ver o preço da energia a subir, dizem: ‘Ucrânia é tão longe'”, avaliou o professor da Universidade Católica. “Ainda estamos a falar do conflito da Ucrânia nos noticiários, mas penso que o problema da guerra já não é prioridade para as populações, infelizmente”, referiu Proença Garcia.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 12 milhões de pessoas de suas casas – mais de seis milhões de deslocados internos e mais de seis milhões para os países vizinhos –, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa – justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que está a responder com envio de armamento para a Ucrânia e imposição de sanções à Rússia que atingem praticamente todos os setores, da Banca à Energia e ao Desporto.
Madalena Resende, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, observa que, “apesar de, no início, estarem cautelosos com o perigo da escalada da tensão com a Rússia, os Estados Unidos têm vindo a aumentar a sua ajuda militar à Ucrânia, nomeadamente com os Himars [sistemas de lança-foguetes móveis], e agora estão a considerar também o fornecimento de aviões às forças aéreas ucranianas”. “Isto demonstra um apoio mais aberto dos Estados Unidos.”
“A Europa está unida com os Estados Unidos, nomeadamente no âmbito da NATO, onde há um consenso muito grande dos países ocidentais em relação à guerra. No que toca a ajuda militar, tem sido menos aberto e menos bem-sucedida em relação aos Estados Unidos, apesar dos progressos por parte da Alemanha, que também já enviou mais ajuda militar”, afirmou Madalena Resende.
A professora avaliou que “tem havido cautela e, por vezes, ambiguidade”. Mas acrescenta que, “no conjunto, a aliança ocidental tem-se mantido forte na resistência à invasão russa na Ucrânia”. Segundo Madalena Resende, “este inverno vai ser particularmente complexo para os governos ocidentais, nomeadamente da Europa ocidental”. “Entretanto, esta transição para terminar com a dependência do fornecimento do petróleo e do gás russo está consolidada e não vai voltar atrás.”
Pedro Ponte e Sousa, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), disse que se assiste “a uma inversão do ‘investimento’ dos diferentes atores na guerra”. “Se a opinião pública foi muito vocal e ativa nos primeiros meses, pressionando os governos a agir, o que vemos cada vez mais é o inverso. Ou seja, os governos a propor medidas de apoio à Ucrânia ou de sanção à Rússia, enquanto os europeus estão cada vez mais preocupados com os impactos económicos da guerra”, adiantou.
“Veremos se os governos continuarão a agir, minimizando as alterações de vontades dos eleitores, ou se mudarão de políticas”, avaliou Ponte e Sousa, também professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense. “A estratégia dos Estados Unidos passa pelo arrastar do conflito, tentando prejudicar a Rússia o mais possível. Para a opinião pública norte-americana, a guerra já não existe. É um tema menor. Isso ajuda a um apoio militar bi-partidário (diríamos, apartidário) à Ucrânia, mas as consequências económicas da guerra são mais visíveis e é provável que a questão da Rússia e da China entre nas próximas eleições norte-americanas”, referiu Ponte e Sousa.
Para o professor da Universidade Portucalense, “a evolução da situação na Ucrânia e em Taiwan cada vez mais empurra a Rússia e a China para os braços uma da outra, e estas para o fortalecimento de relações económicas e políticas com o mundo não-ocidental”. “Isto levará a China a uma posição mais vocal, mas sem intervir. A China não deverá intervir nas tentativas de resolução do conflito, a não ser que tal seja inevitável, que todos os outros atores tenham falhado”, sublinhou ainda Ponte e Sousa.
“A guerra [na Ucrânia], para ser solucionada, vai ter de envolver sempre as grandes potências”, referiu Proença e Garcia. “Não sei se a China irá mediar, mas vai ter um papel importante. Para já, porque pertence ao Conselho de Segurança da ONU, e porque não lhe interessa a guerra, visto que afeta significativamente os mercados mundiais.” E depois porque “também está a ser uma lição aprendida, em como reagir se acontecer uma coisa semelhante em Taiwan”, acrescentou o professor da Universidade Católica.
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