Com o rosto esguio, dentes proeminentes e olhos grandes, Joey Hoofdman sempre pareceu muito diferente dos irmãos. Além disso, a forte ética de trabalho e o aguçado sentido de organização estavam em desacordo com a restante família, extremamente caótica. Sentir-se como alguém à parte levou Joey a sentir-se infeliz ao longo da vida. Quando começou a procurar respostas sobre a sua identidade, estava longe de imaginar o campo minado genético – e ético – em que estava prestes a entrar. Enquanto crescia em Roterdão, na Holanda, os pais de Joey nunca esconderam o fato de que precisaram de ajuda para concebê-lo. O pai, que já tinha dois filhos de um casamento anterior, fez uma reversão de vasectomia e inscreveram-se numa clínica de fertilidade.

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«Os meus pais contaram-me sobre [as dúvidas acerca] da fertilidade do meu pai»

«Os meus pais contaram-me que consultaram um médico por causa das dúvidas sobre a fertilidade do meu pai», conta Joey, de 33 anos. «O meu pai foi submetido a uma reversão da vasectomia porque a minha mãe queria ter filhos». Os pais de Joey insistiram que o tratamento de fertilidade foi o tradicional. A mãe fora artificialmente inseminada com o esperma do marido. Mas Joey não ficou convencido, por ser «tão diferente» dos irmãos. Enquanto o pai de Joey bebia, discutia e estava constantemente a endividar-se, Joey era sensato e calmo e cedo começou a economizar para uma vida melhor. Cansado de se sentir tão isolado, aos 15 anos conheceu o primeiro namorado. Foi viver com ele e deixou a casa da família para sempre. «Foi a melhor decisão que tomei na vida», admite.

Aos 19 anos, era dono de um ginásio e mantinha um relacionamento estável. Mas, apesar de ter conseguido escapar ao caos familiar, continuou desconfiado sobre a verdadeira identidade. Quando o pai morreu, em 2012, Joey entrou em estado depressivo. «Julguei tratar-se de tristeza, mas prolongou-se de tal forma no tempo, que achei que poderia ser algo mais. Três ou quatro anos depois de perder o meu pai, continuava em estado depressivo. Mal comia e praticamente não dormia. Foi o pior sentimento que já tive.»

«O meu pai é o meu pai biológico?»

Depois de ter considerado o suicídio, o psiquiatra aconselhou Joey a confrontar a mãe. Em março de 2017, depois de preparar um café à mãe e de sentá-la no jardim, implorou por respostas. «O meu pai é o meu pai biológico? Aconteceu alguma coisa? Sou filho de algum vizinho ou de outra pessoa? A minha mãe ficou realmente perturbada quando lhe fiz estas perguntas. Não queria acreditar que eu pensava que ela poderia ter traído o marido. Deixou-a angustiada por eu pensar que ela tinha sido infiel ao meu pai. E insisti. “Mãe, por favor. Eu tenho de ter certeza”.» Foi então que Joey pediu à mãe para explicar-lhe exatamente tudo sobre a sua conceção.

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«Enviei a imagem [do médico] aos meus amigos e a reação era quase sempre a mesma. Perguntavam se era eu»

Quando pressionada sobre o nome da clínica e do médico, as recordações irregulares da mãe levaram Joey a fazer uma pesquisa on-line. A busca acabou por direcioná-lo a uma clínica suburbana próxima da zona onde cresceu e ao médico Jan Karbaat. Joey ficou chocado com o número de reclamações sobre falta de boletins clínicos e de amostras perdidas. O pior era o número de suspeitas de que as mulheres haviam recebido o esperma errado. A quantidade de processos judiciais era extensa. O governo havia fechado a clínica em 2009. Joey deu-se conta de que estava perante uma história de horror. A mãe de Joey ficou tão revoltada com as descobertas que expulsou o filho de casa no exato momento em que ele lhe deu conta da situação.

Joey mergulhou na investigação ainda mais a fundo e encontrou uma foto de Jan Karbaat, o médico de fertilidade por trás do escândalo. Ficou arrepiado. Tinha a certeza de que estava diante do pai biológico. «Foi como um choque elétrico. Eu não via o rosto dele, apenas o meu. Tinha o mesmo sorriso, os mesmos olhos… Enviei a imagem aos meus amigos e a reação era quase sempre a mesma. Perguntavam se era eu…» Desesperado por mais respostas, Joey localizou Karbaat, que vivia não muito longe. Quando ele bateu à porta, foi informado de que o médico, então com 89 anos, estava demasiado para receber visitas. Uma semana depois, Karbaat morreu.

Grupo no Facebook com dezenas de pessoas com a suspeita de serem filhas de Karbaat

Sem a oportunidade de enfrentá-lo, Joey continuou em busca de respostas e descobriu um grupo no Facebook. Todos os membros suspeitavam de que seriam filhos de Karbaat. Joey estabeleceu rapidamente laços com Moniek Wassenaar e reparou que a casa dele, em Amesterdão, tinha um gosto notavelmente semelhante ao dele. «Decidimos ver se estávamos realmente relacionados e fizemos um teste de ADN. E éramos realmente meio-irmãos. Foi muito emocionante.»

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ADN de Karbaat disponibilizada para testes

Em junho de 2017, Joey colocou os resultados do seu ADN num site de genealogia, que funciona de acordo com os resultados de ADN. Primeiro, foi equiparado a Inge Herlaar, 39 anos. E telefonou-lhe. «Acho que sou seu meio-irmão.» Mais tarde, nova surpresa, agora relacionada com Marsha Elvers, de 38 anos, outra meia-irmã.

No momento da morte, em 2017, tinham sido já reconhecidas 22 paternidades e julgava-se que poderia vir a ser reconhecido como pai biológico de mais 49 pessoas. No início de 2019, uma decisão judicial permitiu que o ADN de Karbaat fosse disponibilizado para testes. Foi nesse momento que soube, cientificamente, ser filho de Karbaat, uma notícia importante para ele. «Quando vi o relatório, com o resultado, inicialmente fui-me abaixo. Era demais para processar», lembra.

Número de irmãos de Joey vai em 61 e continua a crescer

A família de Joey não para de crescer, e tem já 61 irmãos conhecidos. Com humor sombrio, intitulam-se «Karbaastardos». «Já não tenho quaisquer sentimentos de raiva e estou cada vez mais curioso para saber onde isto vai acabar. Mas a questão para a qual julgo nunca vir a ter resposta é “porquê”. Por dinheiro? Por algum complexo? Gosto de pensar que, no início, ele só queria ajudar as mães a terem filhos.» Em abril deste ano, há um mês, Joey visitou o túmulo de Karbaat em Roterdão. «Foi o mais perto que pude estar dele. Foi a coisa mais importante que fiz para ter alguma paz espírito. Não sou responsável pelas ações dele, mas tenho de conseguir perdoá-lo para seguir em frente. Mereço-o.»

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