População da rua do Benformoso dividida face à atuação da polícia
A azáfama era hoje a de sempre na rua do Benformoso, na zona do Martim Moniz, em Lisboa, onde na quinta-feira a polícia desencadeou uma operação que divide as opiniões de quem ali vive e trabalha.
Uns consideram que a Polícia de Segurança Pública (PSP) foi excessiva, outros que fez o que é necessário, mas todos concordam que a operação foi aparatosa.
A PSP não divulgou o número de elementos que mobilizou para a Rua do Benformoso, numa “operação especial de prevenção criminal” que colocou dezenas de pessoas encostadas às paredes para serem revistadas.
As imagens da operação partilhadas nas redes sociais desencadearam críticas e acusações de abuso de autoridade.
“Nunca vi uma rusga assim”, confessa Luísa Barroso, há 48 anos moradora na rua, onde tem uma retrosaria.
De acordo com o relato feito à Lusa, pelas 14:30 a polícia fechou a rua “do início ao fim” e “começou a encostar à parede os imigrantes e a pedir-lhes os documentos”.
Rapidamente “a rua estava cheia de polícias”, alguns à paisana, outros de cara tapada. “Metia medo”, descreve.
Quando se apercebeu da situação, Fernanda Silva, funcionária da retrosaria, ligou à proprietária, que a aconselhou a fechar a loja e ir para casa.
“Perguntei a um polícia se podia sair, desci a rua e outro agente perguntou-me onde ia. Disse que ia para casa e deixou-me passar”, conta.
Finda a operação, que terá durado umas três horas, “está tudo na mesma”, nota Luísa. “As pessoas já não vêm para aqui, o comércio está praticamente acabado”, lamenta, dizendo e repetindo que não culpa os imigrantes, “coitados”, mas as redes que os trazem em números “demasiados” para aquela zona da capital.
Tanbir dirige-se para casa, ali perto, com o filho bebé ao colo. Estão há cinco anos em Portugal, país de “boa gente”.
Em inglês, este morador de origem bengali acha que “a polícia está certa” ao intervir para “verificar o que se passa” na zona, porque “há muita gente má” por ali, que alimenta o consumo de droga e gera “mau ambiente”.
É no chafariz que se concentra o consumo de droga, mas não é raro que se espalhe por outras artérias.
Na Rua do Terreirinho, um homem consome heroína à porta da loja com história dos irmãos Nine e um deles pede-lhe para sair, ao mesmo tempo que comenta que horas antes nem teria conseguido ali sentar-se tal é o número de bicicletas, utilizadas pelos estafetas, que ali se acumulam durante a noite.
“Nem dá para circular no passeio”, relata, observando também que a rua acabara de ser limpa e daí não haver já “as montanhas de lixo” que encontram todas as manhãs, quando abrem a porta do estabelecimento.
A crítica de Jorge Silva, cliente acabado de entrar e morador na zona há 60 anos, vai para a falta de atuação regular da polícia. “Eu já nem saio à noite”, desabafa.
Por isso, “a polícia devia era fechar mais vezes a rua”, sugere João Nine, garantindo que esse é o desejo de muito mais gente. “Quem reclama com o aparato policial é porque não vive nem trabalha aqui”, realça o comerciante, contando que a polícia não revistou “só estrangeiros”, porque um seu amigo português “também lá ficou no meio”.
Rana Taslim Uddin, líder da comunidade do Bangladesh em Lisboa, não tem a mesma perspetiva e assume ter ficado “em choque” com o que se passou na quinta-feira. “Em 34 anos que cá estou nunca vi esta abordagem da polícia, parece uma coisa do século passado”, critica.
Entre os homens de mãos no ar e encostados às paredes da Rua do Benformoso para serem revistados pela polícia estavam “trabalhadores que vêm conviver com os seus compatriotas, comprar especiarias e beber ‘dudh cha'”, a mistura de chá e leite que o Bangladesh herdou dos colonizadores ingleses.
Esses homens — lembra — “são os mesmos que vos levam a comida a casa, de dia e de noite, faça sol ou faça chuva”.
Rana Taslim Uddin não desvaloriza os problemas de droga e insegurança na zona, mas defende “uma maior presença policial sem fardas”.
Cristina Gomes concorda, até para garantir “o efeito surpresa” contra quem por ali pratica atividades criminosas. Assim não sendo, quinta-feira foi apenas “um dia normal, com um bocadinho mais de espetáculo e aparato”, desvaloriza.
“Deviam era aparecer mais vezes e mais à noite”, indica a funcionária que trabalha há 33 anos numa loja de revenda que tem perdido clientes. “As pessoas têm receio de cá vir, o que nos safa são as vendas online”, diz.
Mais à frente, o supermercado onde trabalha Munir foi visitado pela polícia na quinta-feira. Perguntaram-lhe pelo preço do quilo de arroz e se vendia tabaco avulso. Respondeu que não e apontou para a máquina de tabaco que está no estabelecimento.
Há dois anos em Portugal, vindo do Bangladesh, Munir tem “tudo certo” e, por isso, nada teme. “É preciso seguir as regras”, realça, considerando que o papel da polícia é garantir a segurança e que esta “é boa para as pessoas e para os negócios”.
Já Pedro assume um tom mais crítico em relação à atuação policial, que considera “excessiva”.
Enquanto repõe o tabaco na máquina do supermercado, vai comentando que a polícia “está a tentar resolver o problema pelo fim, sem ir à raiz”.
A população do Benformoso é “supertranquila, afável, desprotegida”, descreve o repositor, que faz “questão” de deixar a sua opinião: “Venho cá há mais de seis anos e nunca tive problemas.”
*** Sofia Branco, da agência Lusa ***
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By Impala News / Lusa
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