Vítimas desistiram de queixas contra hammerskins com medo de represálias
Um inspetor da Polícia Judiciária (PJ) declarou hoje que só não foram “compilados mais processos de prova” contra os ‘hammerskins’ porque algumas das vítimas deste grupo de extrema-direita não quiseram prosseguir com as queixas por “receio de represálias”.
Um inspetor da Polícia Judiciária (PJ) declarou hoje que só não foram “compilados mais processos de prova” contra os ‘hammerskins’ porque algumas das vítimas deste grupo de extrema-direita não quiseram prosseguir com as queixas por “receio de represálias”. O inspetor Paulo Vaz, que falava como testemunha no julgamento do caso dos ‘hammerskins’, que decorre em Lisboa, referiu que, após a operação policial realizada em 2016, foi “público e notório o apelo da PJ para que as vítimas denunciassem” as agressões.
Embora algumas o tenham feito, outras não quiseram avançar com as queixas por “receio de represálias” daquele grupo extremista e violento, disse.
Neste julgamento, 27 arguidos conotados com o movimento ‘hammerskin’ – grupo que defende a superioridade da raça branca face às demais – estão a ser julgados por discriminação racial e sexual, tentativa de homicídio, ofensas corporais, incitamento à violência, tráfico de droga e posse de arma proibida. Os crimes verificaram-se na zona da Grande Lisboa e incidiram em pessoas de raça negra, homossexuais, imigrantes e militantes comunistas.
Durante a inquirição feita pela procuradora Rita Brandão, o inspetor da PJ mencionou que, após a realização de buscas policiais, o grupo ‘hammerskin’ mudou a sua sede (‘skinhouse’) para um armazém em Olival de Basto, Odivelas, tratando-se de um espaço arrendado com bar e que servia, ocasionalmente, de dormitório para alguns membros, designadamente para o arguido Nuno Cerejeira que “tinha lá um beliche” e era detentor das chaves do armazém.
Segundo Paulo Vaz, todos os ‘hammers’ (membros efetivos do grupo), ‘prospect’ (candidatos a entrar no grupo), ‘hang-arounds’ (novos membros numa fase inicial de adesão) “frequentavam a casa sem limitações”, assim como outras pessoas desde que viessem “pela mão de alguém conhecido”. Além do bar, que servia bebidas e “ajudava na economia do grupo, a ‘skinhouse’ tinha também matraquilhos e jogo de dardos.
O inspetor da PJ referiu ainda que já depois da operação policial em 2016, os arguidos João Vicente, Rui Veríssimo, Bruno Santos e José Rafel, estes dois últimos do Norte do país, representaram, em janeiro de 2017, o grupo “Portugal hammerskins” (ou PHS) no “European Officers Meeting dos Hammerskins”, realizado nos arredores de Berlim, Alemanha.
Aqueles dois elementos do grupo, monitorizados pela PJ, deslocaram-se à Alemanha, disse a testemunha, revelando que a congénere policial alemã informou posteriormente que “outros portugueses tinham sido detetados no local (Berlim)”. Questionado por um advogado de defesa se alguma vez tinha visto uma ficha de inscrição de um ‘hammerskin’ por forma a comprovar a efetiva ligação ao grupo, o inspetor da PJ replicou que os ‘hammerskins’, à semelhança dos ‘Hells Angeles’ ou dos membros da ‘Ndrangheta’ (mafia calabresa) “não têm nenhuma ficha de inscrição”.
O inspetor policial esclareceu ainda a procuradora e o coletivo de juízes, presidido por Noé Bettencourt, sobre as formas como a PJ recolheu informações sobre o grupo em “fontes abertas” no Facebook e em outras páginas da internet, onde alguns ‘hammers’ publicavam fotografias dos seus próprios eventos.
A inquirição de Paulo Vaz foi ainda preenchida com perguntas dos advogados dos arguidos sobre reconhecimentos pessoais e identificação de arguidos em espaços públicos, bem como sobre interceções telefónicas durante a investigação. Na véspera, Paulo Vaz, inspetor que pertenceu à Unidade Nacional de Contra Terrorismo da PJ, explicou que o processo agora em julgamento teve o seu ponto de partida num inquérito relativo a atos violentos ocorridos em setembro de 2015.
Grupo foi desmantelado em 2016
Segundo a acusação, nesse dia, um simpatizante comunista, acabado de sair de um comício da CDU no Coliseu, em Lisboa, e que levava consigo uma bandeira do PCP, foi insultado e agredido com socos e pontapés em várias partes do corpo por alegados ‘supporters’ daquele movimento de extrema-direita. Diz a acusação que o grupo apenas cessou as agressões quando verificou que outros militantes do PCP, alertados para o que estaria a acontecer, acorreram em auxílio da vítima, o que motivou a debandada dos agressores do local.
Durante a fuga – refere a acusação – o arguido João Vaz, guarda prisional de profissão, deixou cair a sua bolsa onde se encontravam os seus documentos pessoais, que foi recuperada pelo ofendido, que a entregou a elementos da PSP, entretanto chegados ao local.
O inspetor reconheceu na quarta-feira, quando iniciou o seu depoimento, que a PJ ficou surpreendida por verificar que eventualmente haveria um guarda prisional com ligações ao movimento ‘hammerskin’. O processo em julgamento tem 24 volumes, 5.800 páginas e 88 apensos. O grupo foi desmantelado numa operação da PJ, em 2016, então liderada por Luís Neves, atual diretor nacional daquela polícia.
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