Raríssimas: «Ela foi boa e roubou. Ela é as duas coisas»
Quem é Paula Brito e Costa? Sara Helena Chora, psicóloga clínica, faz uma apreciação psicológica da mulher que está no centro do escândalo Raríssimas.
A investigação da TVI sobre a associação Raríssimas está a chocar Portugal. Entre os vários pormenores e factos que vão acrescentando perguntas e respostas a toda esta polémica, diariamente, surge a pergunta inevitável: Quem é Paula Brito e Costa?
Ao colocarmos estas questões deparamos-nos com descrições de uma mulher «simples e honesta», que trabalhava num quiosque. A ex-presidente da Raríssimas teve um filho, chamado Marco, com o Síndrome de Cornelia de Lange (uma doença rara, que se traduz numa malformação congénita que também provoca um atrasado psicomotor), que morreu aos 16 anos.
Mas, a partir do momento em a investigação da TVI é exibida, Paula Brito e Costa passa a ser retratada como uma mulher «irascível» com os trabalhadores da instituição, uma mulher com «garra», mas com sede de poder e a ambição de um estilo de vida de luxuoso.
Para compreendemos esta oposição aparente de personalidades, a Impala foi falar com a psicóloga clínica, Sara Helena Chora.
De acordo com a especialista, a noção de que Paula Brito e Costa é uma pessoa moralmente correcta e que inverteu os próprios valores é perigosa:
«Os comportamentos de Paula, ou pelo menos aqueles são visíveis, vão contra a imagem que as pessoas têm da mesma, contra a representação que têm do que é a sua personalidade. No fundo, do que é uma pessoa que trabalha numa instituição de solidariedade. Ou seja, criamos a ideia que uma pessoa que era humilde, simples e trabalhava num quiosque tem determinados valores. Que uma pessoa que passou por determinado trauma e defendeu determinados valores deve comportar-se de certa forma e que isso é a totalidade daquela pessoa.»
Mas a psicóloga adverte:
«É possível uma pessoa ter ‘dentro de si’ 50 motivações que a puxam para lados diferentes.»
«Não somos seres assim tão coesos, tão organizados e tão alinhados em termos de princípios como gostávamos de pensar. Claro que choca pensa que ela não era a pessoa que idealizaram.»
Sara Helena Chora explica também que, neste caso, está em causa o próprio imaginário do que é uma pessoa com este tipo de cargo:
«O estereótipo da pessoa que é moralmente boa, e que cria uma associação com fins altruístas, vai contra o facto de depois, ela ter sido corrupta. Mas isto não significa, necessariamente, que esta afinal não era assim tão boa pessoa, porque no entanto roubou. Ela foi boa e roubou. Ela é, ou pelo menos pode ser, as duas coisas.»
O que somos e o que queremos ser
«Contudo, também é possível que tenha visto reflectido, como num espelho, uma imagem (na pessoa que era no trabalho) que é a parte que mais gostava e valorizava em si própria. Se calhar, pode não conviver bem com um outro lado de si que quer outras coisas.»
A especialista ainda clarifica que por vezes tendemos a pensar que ao termos certas ações somos pessoas diferentes.
«Essa noção de que ela era uma pessoa e depois outra está errada. Geralmente, temos a tendência de pensar que somos uma pessoa e que depois, porque a conjuntura da nossa vida muda ou as nossas acções mudam, passamos a ser uma pessoa diferente. A questão é que somos uma pessoa sempre em construção, que vamos sendo, em vez de sermos um ‘projecto’ terminado.»
Ser humano: uma infinita construção
Sara Helena Chora alerta ainda para o sofrimento que os «estereótipos ou ideais de personalidade» podem trazer.
«Isto é, não é que ela seja outra pessoa, ela continua a construir-se tendo em conta as experiências que teve. Claro, que houve um momento que provavelmente a marcou muito, que teve um impacto profundo (a morte do filho), mas não quer dizer que ela fosse uma pessoa com valores específicos e que agora seja outra pessoa. É um continuo, as pessoas vão se construindo.»
«Temos sempre o potencial de tudo. Pode haver aspectos que os outros acham que não “casam bem”, mas não quer dizer que não tenham sempre coexistido naquela pessoa. Por vezes, mesmo para a própria pessoa, pode ser difícil reconhecer que num determinado aspecto se admira e noutro não. Só esta ideia pode causar-nos muito sofrimento. Porque temos a ideia que deveríamos ser de uma forma e depois, sentimos outra. Isto pode causar muito sofrimento».
Texto: Mafalda Silva
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