Supernanny em tribunal: Famílias do programa foram recrutadas em escolas, ATL e grupos de Facebook

Decorreu esta quinta-feira, 5 de abril, a quarta sessão do julgamento sobre a suspensão do polémico Supernanny, programa da SIC colocado em tribunal.

Decorreu esta quinta-feira, 5 de abril, a quarta sessão do julgamento sobre a suspensão do polémico Supernanny. A sessão decorreu no Tribunal de Oeiras. Estiveram presentes Patrícia Marques, mãe da menina do primeiro episódio, Carla e Ricardo Frade, família do segundo programa, Valerie de Faria Alves, mãe dos menores do terceiro episódio (nunca emitido), Tiago Félix da Costa, representante legal da SIC, e Luís Proença, jornalista da SIC.

Luís Proença, que participou no processo de escolher o formato Supernanny para ser emitido em Portugal, disse em tribunal que o programa foi escolhido porque «se traduz num género que capta situações da vida real».

Questionado pelo representante da SIC sobre se o programa tinha como maior interesse aumentar o número de audiências do canal, Luís Proença afirmou que «as audiências não podem ser o fim último e único de uma estação de televisão».

Na sessão anterior, que decorreu a 16 de fevereiro, a madrasta de Margarida, a menina do primeiro episódio, revelou que ela e o marido, pai da menina, se dirigiram à SIC para ver o episódio antes de este ir para o ar. Lisa alegou que na estação televisiva lhe foi dito que os responsáveis directos não estavam no espaço e que não os podiam receber. Mais ainda, afirmou que foram ameaçados de que lhes interporiam um processo de 11 milhões de euros.

Luís Proença confirmou que o casal esteve na estação de Carnaxide. No entanto, garantiu que o casal não poderia ter visualizado previamente o episódio tendo em conta que este ainda estava a ser descarregado para os servidores da SIC. Salientou ainda que não se autoriza o visionamento prévio de um programa «sem uma razão» e que não tem conhecimento de qualquer tipo de ameaça feita ao casal, referindo-se à questão dos 11 milhões de euros.

Quando confrontado pelo Ministério Público sobre quais foram os critérios de escolha para a SIC «expor crianças em horário nobre», a testemunha revelou que a estação esteve dois anos a ponderar adoptar ou não o formato. A SIC terá seguido o «princípio de confiança» que o programa já tinha atingido a nível internacional. «Supernanny é um programa que já é transmitido no mundo há 14 anos», alegou.

«Fomos compreender o impacto do programa em países culturalmente próximos de Portugal. Não tivemos em consideração a taxa de aceitação deste programa na Indonésia, mas sim na Espanha e no Reino Unido, por exemplo. Em Espanha, já passou mais de uma temporada», acrescentou ainda.

SIC não permitiu que fossem utilizados filtros nos episódios de Supernanny

A 26 de janeiro, a estação de televisão SIC suspendeu o programa Supernanny na sequência de decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste. O tribunal considerou que o episódio só poderia ir para o ar se lhe fossem adicionados filtros e distorcendo a voz dos menores.

«Estamos a falar de um conteúdo que vive da interacção. As emoções têm de ser visualizadas pelo espectador. Ou a comunicação perde-se. Se distorcermos as vozes de três pessoas, não se vai perceber nada. Este formato exige iteração com a realidade», afirmou Luís Proença

A testemunha seguinte foi Pedro Cardoso, produtor de televisão, director executivo da Warner Bros em Portugal e produtor de Supernanny, que começou por explicar como foi realizada a selecção das famílias que participaram no programa.

De acordo com o director executivo, a Warner Bros chegou a famílias através de anúncios nas redes sociais. As famílias não podiam ser referenciadas, ou seja, que as crianças tivessem apenas dificuldades em termos comportamentais e não patológicos.

«Primeiro, uma equipa reunia todas as inscrições. Depois, um coordenador de conteúdos fazia a selecção. De seguida, as famílias escolhidas eram contactadas pelo telefone. Eram enviados questionários e, só depois, nos dirigíamos a casa das pessoas», contou Pedro Cardoso.

O que levou à exclusão de famílias?

Um dos principais critérios que levaram várias famílias a verem a inscrição rejeitada foi o facto de as crianças serem referenciadas. Famílias que não conseguissem reunir os consentimentos dos educadores também seriam automaticamente excluídas.

Pedro Cardoso revelou também que para garantir que uma determinada criança não tinha um comportamento patológico, o programa contratou uma consultora – que era psicóloga – e que esta avaliou os três casos. A própria supernanny, Teresa Paula Marques, «tinha a liberdade de dar a sua opinião e, se sentisse alguma objecção, não se avançava».

A polémica contrapartida de mil euros

Sobre a polémica contrapartida dada às famílias por participarem no programa, a testemunha garantiu que as famílias só tinham conhecimento após concordarem em participar. «No período de marcação de gravações, dizíamos que iria haver uma compartida de mil euros, tendo também em conta o incómodo que iríamos dar àquelas famílias ao estarmos em sua casa durante 10 dias em filmagens», referiu Pedro.

O diretor executivo garante que os pais foram aconselhados a verem na Internet episódios do formato feitos lá fora. A produtora e a estação facultaram links desses conteúdos.

Warner nega que Margarida tenha sido incitada a portar-se mal

Na sessão anterior, a madrasta de Margarida revelou que, em conversa com a menina antes da exibição do programa, «ela contou que um operador de câmara lhe disse para bater com mais força na mesa e cuspir».

Pedro Cardoso garantiu que tal situação «não aconteceu». «Nenhum operador de câmara pediu a Margarida para exacerbar um comportamento agressivo.» Se tal tivesse acontecido, o técnico «teria sido afastado». A testemunha recordou ao tribunal que uma criança nunca ficava sozinha com um elemento da produção.

A segunda parte da sessão continuou com o testemunho de Patrícia Ferreira, responsável pela área de produção, pesquisa e casting, que mais uma vez dissertou sobre o método de escolha das famílias participantes.

«Dizíamos que era um programa que pretendia ajudar pais como em alguns comportamentos menos desejados, como birras, por exemplo.» Muitos dos «recrutamentos» foram feitos em «escolas e ATL, bem como em grupos de mães no Facebook», revelou Patrícia Ferreira

Recordando o momento em que se instaurou a polémica, logo na emissão do primeiro episódio, a testemunha afirmou que «no momento em que as famílias começaram a ser chamadas à CPCJ, a directora de produção da Warner passou a fazer os contactos com estas, para esclarecer certas questões e saber como estavam».

A testemunha que se seguiu foi Cristina Valente, formada pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), ex- jornalista e escritora. Foi  inquirida por João Brito, advogado da Warner Bros.

«Vi um retrato do dia-a-dia. Vi uma tentativa de pais que vão à procura de qualquer coisa. De respostas»

Cristina Valente, especializada em couching comportamental, acompanha casos muito específicos de crianças com comportamentos de risco e já deu formação a pediatras sobre comportamento infantil.

Tendo visto os dois episódios transmitidos, a psicóloga garantiu que as imagens apresentavam «comportamentos absolutamente normais do que é o padrão de comportamento que aquelas crianças e pré-adolescente têm nas respectivas idades».

«Vi um retrato do dia-a-dia. Vi uma tentativa de pais que vão à procura de qualquer coisa. De respostas. A exposição tem muito menos relevância nas crianças hoje do que há 10 anos. Os miúdos são mais vistos no YouTube do que na televisão. O problema é o significado que os adultos dão ao programa. É muito pouco provável que as crianças sofram efeitos negativos», disse.

Questionada pela própria juíza, Alzena Pires, sobre a influência do possível valor negativo imprimido pela opinião pública nas crianças, Cristina Valente garantiu que os pais e os adultos mais próximos são quem tem «mais influência» nos menores. Reflectindo sobre facto de que experiências intensas na vida de qualquer ser humano podem ser momentos de aprendizagem ou de martirizarão, Cristina Valente reforçou que o significado que o menor e os pais darão à participação neste programa é o factor mais determinante dos efeitos futuros da supernanny nas suas vidas.

«Criança sem regras está condenada ao insucesso escolar»

Jorge Rio Cardoso, professor universitário nas áreas das ciências sociais e da educação e comentador esporádico na SIC, foi outra das testemunhas a falar em tribunal nesta quarta sessão. O professor, que tem feito investigação na área da educação em torno da pergunta «por que é que há maus alunos?», revelou que chegou à conclusão de «que uma criança sem regras está condenada ao insucesso escolar».

«Pareceu-me que as crianças no programa tinham falta de algumas regras. Também vi alguns excessos, mas nada que outras crianças não fizessem. Portanto, um programa tão demonstrativo é muito positivo para vários pais.»

«O programa não é humilhante. Uma birra é normal. Não vejo como é que aquelas crianças foram expostas negativamente. A questão dos efeitos negativos no futuro é uma hipótese subjetiva»

Jorge Rio Cardoso é amigo de longa data de Teresa Paula Marques e foi, inclusive, quem apresentou o livro desta. «Acho convictamente que o programa não é humilhante. Uma birra é normal. Não vejo como é que aquelas crianças foram expostas negativamente. A questão dos efeitos negativos no futuro é uma hipótese subjetiva.

«Muitas vezes, a exposição de menores em novelas é vista como exposição positiva. No entanto, há crianças que participam em novelas e os pais valorizam aquele momento e, mais tarde, quando a criança já é adulta e é afastada da televisão refugia-se no álcool, porque já não tem a mesma atenção e valorização. O impacto da exposição é, por isso, subjectivo», reiterou o professor.

Carla Frade, mãe da criança do segundo episódio, foi admitida a testemunhar na próxima sessão, no dia 4 de Maio.

Mafalda Tello Silva (texto) e Marco Fonseca (fotografia) | repórteres WIN

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