«Portugal não dispõe de plano estratégico coerente» para tratar a hepatite C

Estima-se que existam cerca de 50.000 doentes com hepatite C em Portugal, desconhecedores da infeção ou que ainda não iniciaram tratamento. Para o Prof. José Velosa, gastrenterologista, ainda não dispomos de um plano estratégico coerente para eliminar a doença.

«Portugal não dispõe de plano estratégico coerente» para tratar a hepatite C

A propósito do Dia Mundial das Hepatites, que se assinala este domingo, dia 28 de julho, e tem como objetivo sensibilizar para a necessidade de investir na prevenção, informando os doentes e a população em geral, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez um apelo: que se aproveitem as recentes reduções nos custos de diagnóstico e tratamento da hepatite para aumentarem os investimentos na eliminação da doença, sendo a hepatite C uma das que mais nos deve preocupar.

Um estudo realizado pela OMS, publicado na revista científica Lancet Global Health, concluiu que são necessários 52,6 mil milhões de euros para eliminar a hepatite viral como ameaça à saúde pública até 2030, o que significa reduzir as novas infeções em 90% e as mortes em 65%. «Hoje, 80% das pessoas que vivem com hepatite não têm acesso a serviços que necessitam para prevenir, fazer testes e tratar a doença», diz o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, citado num comunicado da organização.

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Sobre a hepatite

A hepatite é uma inflamação do fígado que «pode ser causada por diversos agentes», externos ou internos. «Em sentido restrito, o termo aplica-se às clássicas hepatites víricas – hepatites A, B, C, D e E – cujos vírus têm a particularidade de replicar no fígado. Daí, designarem-se vírus hepatotrópicos», explica ao Portal de Notícias o professor José Velosa, gastrenterologista do Hospital Lusíadas Lisboa. Uma doença que representa um elevado risco para a saúde global, pois, de acordo com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) existem cerca de 240 milhões de pessoas com infeções crónicas por hepatite B e cerca de 130 milhões a 150 milhões de pessoas infetadas pelo vírus da hepatite C.

Hepatite B pode ocorrer também através do contacto sexual

A transmissão dos vírus A e E é fecal-oral, ou seja, ocorre através de águas contaminadas e «de alimentos conspurcados com fezes», enquanto as hepatites B, C e D, como refere o médico, «são parentéricas, transmitem-se por via do sangue ou de produtos derivados do sangue». A transmissão da hepatite B pode ocorrer também através do contacto sexual.

Doença muitas vezes assintomática

A hepatite é uma doença considerada traiçoeira, pois muitas vezes não dá quaisquer sinais de que algo corre mal. Mais: quando isso acontece, pode ser tarde demais para o fígado recuperar. No entanto, na fase aguda, os doentes queixam-se de cansaço, falta de apetite, náuseas e vómitos, icterícia, urina escura e, por vezes, de fezes claras. «Na ausência de icterícia, o que é frequente, os doentes podem atribuir os sintomas a uma banal virose. Assim, a hepatite pode passar despercebida. Nestes casos, pode ser diagnosticada só mais tarde, através da presença de anticorpos no sangue. Nesta fase, é comum a surpresa dos doentes e a exclamação ‘mas eu nunca tive hepatite’», refere José Velosa. O professor sublinha ainda que «não é raro a doença ser detetada em análises» de rotina.

Hepatite C evolui para a cronicidade

Com excepção da hepatite C aguda, quase sempre assintomática e que evolui para uma infeção crónica em cerca de 80% dos casos, as restantes hepatites tendem, no adulto saudável, «para a cura espontânea». Embora, «em casos raros, possa ocorrer uma hepatite fulminante». Outra excepção, conforme adianta o gastrenterologista do Hospital Lusíadas Lisboa, «é a hepatite B nos recém-nascidos, crianças e imunodeprimidos». Aí, «pode progredir para a cronicidade». As hepatites víricas crónicas (B, C e D) «cursam de forma assintomática na generalidade dos casos, embora as análises hepáticas estejam alteradas». Quando progridem para cirrose, «os doentes estão em risco de descompensação hepática e de cancro» do fígado.

Tratamentos

A hepatite vírica é um problema sério de saúde a nível mundial. Estima-se em 250 milhões o número de portadores do vírus da hepatite B e em 70 milhões o de C. Esta última tem especial relevância nos países ocidentais. Por norma, a hepatite aguda cura espontaneamente. Mas alguns casos de hepatite B exigem terapêutica específica com um antivírico oral que suprime completamente a multiplicação do vírus e normaliza as análises hepáticas. «Para esta hepatite ainda não existem medicamentos com capacidade para curar a infeção», refere o especialista. Felizmente, o mesmo não acontece com a hepatite C, «cuja terapêutica antivírica elimina definitivamente o vírus em quase todos os casos». A «hepatite D é um caso à parte, não havendo de momento tratamento» eficaz. Em todos os casos é importante realizar um diagnóstico precoce para o médico indicar um tratamento direcionado a cada doente.

Avanços nas terapias «têm sido notáveis»

Para José Velosa, os avanços têm sido notáveis. Sobretudo no diz respeito à hepatite C, desde 2015, com a introdução generalizada dos antivíricos de ação directa, por via oral. De então para cá, verifica-se uma redução significativa dos portadores. «Os regimes terapêuticos atualmente disponíveis permitem o tratamento de todo o tipo de doentes com um esquema simplificado: um comprimido por dia durante 8 a 12 semanas. A tolerância é excelente e a taxa de cura da infeção é, em média, de 97%», revela o especialista. Até hoje, foram tratados, ou estão em vias de tratamento, «aproximadamente 25 mil doentes». O que significa uma «redução de igual grandeza na prevalência da infeção, pois a taxa de cura é superior a 95%».

50 mil doentes com hepatite C em Portugal desconhecem estarem infetados

Ainda assim, estima-se que existam cerca de 50 mil doentes com hepatite C em Portugal desconhecedores da infeção, ou que ainda não iniciaram tratamento. Estes doentes estão incluídos, sobretudo, «nas populações vulneráveis». Especialmente «pessoas que utilizam drogas, reclusos, migrantes e homens que fazem sexo com homens». Para este médico, Portugal, ao contrário do que acontece na Europa e noutros países, ainda não dispõe de um plano estratégico coerente com vista à eliminação da hepatite C.

Texto: Carla S. Rodrigues | WiN; Fotos: Pixabay

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