Quiosqueiros recusam abandonar os seus postos de venda
Trabalham nas ruas de Lisboa a vender jornais e revistas há décadas e nada os faz sair do seu posto de venda: nem mesmo a COVID-19. Tudo pelo seu negócio e o direito à informação.
A rede nacional de pontos de venda de revistas e jornais, espalhados pelo país, conta normalmente com sete mil postos de venda. Contudo, esse número reduziu para cerca de cinco mil desde que foi decretado o Estado de Emergência por causa da COVID-19.
Os tempos não se afiguram fáceis, mas um grande grupo de resistentes mantém-se de portas abertas, a bem do direito à informação e do seu negócio. Em Lisboa, os quiosqueiros são um exemplo dessa resiliência e nada os faz afastar do seu espaço.
É o caso do Quiosque Henrique Neves, no Príncipe Real. Henrique trabalha neste negócio há 25 anos e recusa fechar as portas. Em duas décadas e meia ricas em acontecimentos já assistiu a várias coisas atrás do balcão, mas isto, diz-nos: «nunca na vida imaginava tal coisa.»
À volta do seu Quiosque, várias pessoas, na sua maioria idosos, sentam-se a conversar sem qualquer distanciamento, enquanto no Jardim do Príncipe Real, mesmo atrás, alguns pais passeiam os filhos e um casal lê o jornal calmamente.
E é por todos estes que Henrique ali está, mesmo correndo riscos para a sua saúde, apesar de se proteger. Tudo para que quem procura notícias em papel, as encontre à venda, faça chuva ou faça sol, com ou sem vírus à solta.
«O direito à informação… é tudo. Desde o direito à informação, servir as pessoas e também não perder o meu capital, não é?», justifica para ali estar diariamente.
O negócio já não é o que era e nesta altura torna-se inglório. Mesmo assim, não tem dúvidas que «sempre é melhor do que estar fechado. Fechado é zero e aqui sempre se vai fazendo alguma coisa. Não é muito mas vai-se fazendo», prossegue apontando «o jornal e as revistas também», como o que mais procuram nestes tempos de isolamento.
No meio da incerteza Henrique diz que ainda consegue esgotar algumas publicações, o que lhe dá alento para prosseguir.
Normalmente, a uma segunda-feira, o trajeto do Príncipe Real para o Marquês de Pombal seria feito devagar. Agora foi-se o trânsito e com ele grande parte de quem alimenta e sustenta a vida da cidade. Mas mais uma vez, há quem teime em ficar.
Junto à rotunda do Marquês, Husaín, de 24 anos, trabalha com o pai no Quiosque do Marquês de Pombal desde os seus 15. Husaín fala em quebra acentuada nas vendas. Mesmo assim, diz-nos não quer sair, porque há quem procure jornais e revistas.
«Há muitas senhoras que vêm cá buscar, para se entreterem em casa, como não têm nada para fazer.», conta. Habituado ao som da cidade, que não este que escuta agora, o quiosqueiro olha à sua volta e exclama: «Tenho 24 anos e nunca vi isto na minha vida. É a primeira vez. Isto é uma coisa incrível.»
Para já, ele, que já assistiu a passagem de manifestações e outras contrariedades naquela praça, não pensa no que poderá vir aí e prefere aguardar. «O futuro quando vier logo se vê. Temos que ver é o presente.»
Perto de Husaín, na avenida Duque de Loulé está João Manuel, dono do Quiosque Jardim, e um quiosqueiro veterano, com 21 anos de atendimento ao público a vender imprensa. Ir para casa nesta altura não é solução, «por uma questão de necessidade económica e por serviço público, também. Sempre que haja alguém que precise de alguma coisa eu também estou a contribuir para ajudar essa pessoa», diz.
«O cliente que eu tenho aqui neste momento são os residentes»
O sentimento que têm de estar a prestar serviço público é algo comum a todos os vendedores com quem vamos falando. Isabel Santos, que trabalha há um ano no quiosque Jorge Maio, no Saldanha, junta-se à lista. Uma grande parte dos clientes habituais fugiu da cidade, mas os que moram na zona continuam a contar com ela.
Nos dias em que a praça do mercado está aberta o negócio corre melhor mas, diz-nos «O cliente que eu tenho aqui neste momento são os residentes. Uma vez que tudo o que é comércio à volta está fechado, loja do cidadão inclusive, de maneira que é o residente.» E por eles, volta sempre no dia seguinte.
«Tenho pessoas que dizem: ‘ah, veja lá se fechar, avise-me»
Numa transversal da Avenida da República, Anabela Teixeira leva três décadas atrás de um pequeno balcão, onde cabe apenas uma pessoa de cada vez. Na sua memória não lhe passa pela nada semelhante ao que está a viver por causa do Coronavírus.
Mesmo, quando há 11 anos, o Mundo recente apanhou um susto, com a variante da gripe suína. «Já ouve aquele ano da gripe A, que foi assim um bocadinho assustador, mas nada com o que se está a ver agora», lembra.
Desse passado recente, recorda que não teve tantos cuidados como agora, sempre de máscara na cara e luvas nas mãos. «Não tinha esta proteção, só desinfetar as mãos, mais nada. E não tive medo. Agora tenho medo.»
Tem medo, mas não deixa de ironizar com a realidade atual onde se estão a requisitar tantos enfermeiros, até os aposentados. É que há meia dúzia de anos a sua filha e o seu genro, enfermeiros de profissão, trocaram Portugal por Inglaterra, por falta de trabalho.
No meio dos desabafos Anabela diz que não pensa ir para casa. Nunca foi não era agora que o ia fazer. Por isso, a tabacaria Valmor vai continuar de portas abertas. «Acho que as pessoas também precisam destas coisas para… faz parte do lazer. E tenho pessoas que dizem: ‘ah, veja lá se fechar, avise-me’… e porque nós temos compromissos com algumas pessoas, senão isto desaparece completamente.
«As pessoas depois voltam, acho que sim»
Insegura com as perspetivas deste negócio, muitas vezes ingrato mas valioso para quem dele se serve, e com uma renda para pagar, a quiosqueira motiva-se com os seus pensamentos deste tempo cheio de dúvidas. «As pessoas depois voltam, acho que sim, que voltam. Mas não sei prever o futuro…», remata.
Texto e Fotos: Luís Correia
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